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[RP privado] O Enigma da Borgonha

Leonardodavinci


A biblioteca havia se tornado um campo de batalha, os homens dos Torre e de Hettinger se enfrentavam vorazmente. O combate se prolongava por mais tempo do que era desejável, aos poucos os números se reduziam, mas a luta ainda estava equilibrada. Anton fora capaz de organizar melhor seu grupo e com isso, pressionava o inimigo minimizando as baixas e finalmente alcançando uma vantagem. Os Torre haviam conseguido alcançar LeMahieu, Leonardo agarrou em um dos braços do homem, tentando puxá-lo, ele ainda estava ligeiramente confuso, relutava, mas não havia atacado por ter reconhecido aqueles que o haviam abordado a dias atrás.

Conforme Leonardo e seus primos tentavam abrir caminho para levar LeMahieu daquele lugar, uma intensa balbúrdia foi ouvida, vinda dos corredores. Um terceiro grupo se aproximava. Por um segundo o italiano hesitou, poderiam ser reforços de Anton ou reforços do inimigo, naquele momento ele percebeu que LeMahieu, lívido batia contra o peito dele, tentando chamar a atenção para si.

- Deixe-me, eu devo encontrar meu fim junto com os livros. Você precisa levar tudo daqui, mas deixe-me.
- LeMahieu disse a Leonardo, que confuso pelas palavras do estranho homem tentou tomar dele a bolsa que ele carregava, julgando que fosse isso que Jean lhe pedia. - Não! Não posso entregar isso a ninguém.

Ele puxou Leonardo e apontou, chamando um rapaz que estava desesperado em um canto.

- Gael! Gael! - gritava o francês quase enlouquecido, a mão estendida como um afogado que pedia por socorro. O rapaz olhou para ele. - Leve-os para a minha cela, rápido!

Antes que fosse possível o rapaz esboçar qualquer reação a convocação, os reforços chegaram. Eram soldados de Hettinger, bem equipados e organizados, bloquearam as portas da biblioteca, desbarataram os soldados dos Torre encurralando-os no lado oposto. Não era possível mais manter uma resistência, a vantagem do inimigo era muito maior.

Leonardo então, puxou LeMahieu com ele, tirando o de perto da matança, olhou para Anton, da forma como frequentemente fazia, esperando para ver qual seria o próximo passo.

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Sir_anton


Quando Leonardo olhou para Anton,foi diferente das outras vezes. Dessa vez, ele não tinha uma saída, não tinha uma idéia para os salvar. Eles estavam pressionados por uma força muito superior. Tudo que Anton tinha era uma idéia, uma muito arriscada.

Anton tentou pensar em outra alternativa, mas no momento não havia.

- Pegue o monge e saia daqui!Vá embora e não olhe para trás.Vamos segura-los o máximo possível.- Anton se aproximou de Leonardo e falou com uma voz não de comando, mas como um pedido sincero. - Cuide da Raquel.

- Eu vou ficar e lutar Anton!

- Então que seja.

Anton pegou uma lamparina e caminhou até o fluxo da batalha. Assim que o avistaram Alícia e Dubois se aproximaram. Eles já sabiam o que ia acontecer, quase como se pudessem ler a mente de Anton.

Anton lançou a lamparia no chão entre os soldados inimigos, com tantos livros espalhados logo o fogo se espalhou tornando a sala em uma visão nitida do inferno. Fogo, sangue e gritos em abundância.

Calmamente Anton falou para Dubois e Alícia:

- Lá no fundo, nós sabíamos que íamos morrer assim.

- Então vamos levar o máximo desses malditos para o inferno com a gente.-Dubois sorria enquanto falava, quase como se apreciasse aquele momento.

- Bem... Vamos a isto.- Alícia estava determinada como sempre.

Os três acompanhados por LeMahieu foram para o coração da luta. Lutando com todas suas forças, com tudo que tinham. Eles precisavam segurar o inimigo para Raquel e Leonardo. Era um objetivo simples. Definitivo. Não havia muito o que pensar.

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Raquel_


Mesmo desarmado, Gael liderava o pequeno grupo que tentava sair da biblioteca. Leonardo puxava Raquel pela mão, ao mesmo tempo que sua outra mão mantinha a espada erguida para defender o grupo. Raquel mantinha uma das adagas em punho, e os três saíram pela única porta que dava ao corredor. Anton, Alicia e Dubois se esforçaram para que não ocorresse nenhum ataque, dando cobertura para que fugissem o mais rápido possível, ocupando o máximo possível os soldados do Hettinger.

Gael prosseguia numa corrida desesperada pelos corredores do monastério; Leonardo e Raquel seguiam com extrema cautela, prontos para atacarem se surgisse alguém inesperado no caminho. Aproveitaram que todos os soldados se direcionaram para a biblioteca e desceram por umas escadas até chegarem na ala externa do monastério onde ficavam os quartos dos monges. Gael empurrou violentamente uma porta de um dos quartos, esperou Raquel e Leonardo entrarem, e logo após encerrou a porta com um ferrolho.

Com um dos pés, empurrou o tapete vermelho que ornava o centro do quarto, empurrou a cama e tateou o chão. Encontrou uma fissura entre duas pedras do chão, e com as duas mãos, tentou remover uma das pedras. Leonardo ao observar o esforço do monge, se abaixou para ajudá-lo a remover o obstáculo. Assim que conseguiram retirar a pedra, o monge retirou da cavidade vários papéis empilhados, levantou-se e foi direto até uma cômoda, onde havia uma bolsa guardada em uma das gavetas.

- Pronto, Senhor Leonardo. Aqui está o mais importante que não foi perdido. Leve para bem distante daqui, e se puder não volte mais aqui. Agora precisamos sair.

Gael entregou a bolsa para Leonardo, e por precaução levantou as vestes e saiu pela janela. Leonardo e Raquel se entreolharam, e seguiram o monge. Logo se afastaram da ala dos quartos e entraram por dentro de uma horta, correndo para o lado oposto do combate.
Sir_anton


Assim que entrou em combate com as tropas de Hettinger, Anton perdeu visibilidade sobre Raquel e Leonardo, ele só podia acreditar que tinham conseguido sair.

A batalha era indescritivel, a sala bagunçada e cheia de inimigos faziam parecer que Anton estava cercado por todos os lados.

As chamas iniciadas por Anton ainda se espalhavam, o fogo juntamente com os sons metálicos de espadas se chocando e os gritos dos combatentes, transformavam aquele humilde monastério em um cenário épico.

Com os ataques vindo de todos os lados, Anton ja havia sido ferido inúmeras vezes, porém nenhuma realmente grave, até um eficiente soldado inimigo conseguir lhe inflingir um corte em diagonal do ombro direito até o lado esquerdo da cintura.

Anton foi desequilibrado pelo ataque e antes que pudesse reagir foi atingido por uma maça nas costas, ele sentiu como se suas costas se partissem ao meio em uma dor descomunal, esse ataque o desequilibrou por completo e Anton acabou caindo de joelhos se apoiando com seu braço no chão, antes que tivesse a chance de tentar se levantar um soldado chutou seu rosto, o derrubando de vez, o mesmo soldado se aproximou e preparou-se para executar Anton, deixando a espada na posição horizontal e abaixando vigorosamente, em uma tentativa desesperada de impedir a própria morte, Torre agarrou a lâmina da espada e tentou segura-la. Isso provavelmente o salvou, pois apesar da dor da lâmina cortando as palmas de suas mãos isso dificultou para o inimigo. Apesar de seus esforços, lentamente a lâmina penetrou na carne de Anton, escorregando pelas suas mãos cortadas.

Antes que o soldado de Hettinger pudesse sentir o gosto da vitória, sentiu o gosto de uma lâmina atravessando sua garganta. Alícia o eliminava enquanto um mercenário ajudava Anton a se levantar, tal soldado também encontrou seu fim, com uma maça quebrando seu crânio. O mesmo maceiro se propôs a encerrar a vida de Anton, mas o Torre atrapalhadamente desviou de seu primeiro ataque, porém não desviou do segundo. A maça acertou em cheio sua costela.

Totalmente sem forças Anton recuou cambaleando até se sentir sendo agarrado, eram Alícia e um de seus soldados o tirando daquele inferno.

Enquanto era levado, sem forças para resistir devido aos múltiplos ferimentos, Anton viu uma figura passando pela porta da sala. Com uma armadura no dorso, trajado ricamente, com uma longa capa preta e uma espada decorada na cintura, a figura possuía cabelos grisalhos e um sorriso maníaco no rosto.

- Maldição! É Hans Hutten, digo, Melendorf!- Alícia reconhecia o homem.

Bertrand e o soldado derrubaram uma grande estante contra uma parede, levaram Anton até embaixo dela e os três se esconderam ali. Esperando a batalha passar. Não demorou muito tempo após isso para Anton perder a consciência.

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Leonardodavinci


Jean LeMahieu

Jean LeMahieu observou quando o jovem italiano e a bela moça fugiram da Biblioteca em companhia de Gael. Soube então que seu legado estava seguro. Seu pupilo e amigo os levaria para os diversos manuscritos e documentos que havia reunido sobre as atividades de Hettinger em boa parte da França e no restante da Europa. Esperava que eles um dia pudessem vencer aquela pérfida figura, pois sabia que nunca mais veria a luz do dia. Estava determinado a morrer ali, para manter seu legado a salvo. O sacrifício que faria para enganar seu inimigo os conteria naquela noite, impedindo que continuassem procurando algo que julgariam ter sido destruído pelo fogo.

A situação em volta dele estava calamitosa, com homens caindo e gritando enquanto eram estripados, o fogo ardendo em volta deles, como um afresco antigo das cenas infernais que superariam a imaginação parca dos monges que copiavam e ilustravam aqueles livros que eram consumidos pelas chamas. Ele já não podia saber quem vencia e quem perdia.Tentou avançar para lutar com sua espada, mas um dos soldados de Hettinger o atingiu com uma maça no rosto. O impacto estraçalhou os ossos de um dos lados de sua face e ele foi lançado ao chão urrando. Uma das mãos tentaram tocar a carne rasgada e quebrantada e voltaram empapadas de sangue, a outra mão apertou ainda mais forte a bolsa junto ao corpo. Tentou se arrastar para longe do combate, sentindo o sangue escorrer grudento de sua face e deixar no piso um rastro. Avançou o quanto pôde até uma das paredes e de súbito, percebeu que tudo estava silencioso e apenas o fogo continuava sua labuta para transformar tudo em pó.

LeMahieu olhou para trás e ajustou-se de costas para a parede, pelo que pôde depreender, os defensores haviam sido vencidos e os soldados de Hettinger, mesmo em uma quantidade muito menor do que a inicial, emergiam vitoriosos, limpando o sangue de suas espadas nas batinas dos frades assassinados. Ele reconheceu Melendorf no meio dos inimigos, seus olhos o reconheceram também e um sorriso de satisfação surgiu no seu rosto. Seu algoz então caminhou na direção dele, a espada em punho, ainda manchada de sangue.

Melendorf ficou diante do falso frade. Deixou que Jean desfrutasse os últimos momentos antes de sua morte iminente. Havia causado problemas demais e agora era hora de ele pagar. O inimigo puxou a bolsa das mãos de LeMahieu, que tentou segurá-la, mas foi chutado uma dezena de vezes, até que não pôde mais segurar e seus dedos se abriram relutantes. Melendorf olhou no interior da bolsa, vendo um punhado de manuscritos e jogou-a para um de seus soldados, para que a guardassem. Agarrou então o falso frade pelas roupas, erguendo o para que se alinhasse com sua espada.

- Existem princípios que a espada não pode matar...
- LeMahieu começou a lançar as palavras, do que restou de seu rosto desfigurado.

Melendorf cortou a frase transpassando a espada contra o peito de LeMahieu A ponta de sua espada abriu caminho pela carne, afastando os ossos e rasgando o coração.

- Não uso a espada para matar princípios, uso a espada para matar tolos como você.
- respondeu e cuspiu no corpo de sua vítima agonizante.

LeMahieu sentiu que o ar não era suficiente, o sangue lhe subia pelo esôfago e uma agonia se espalhava pelo corpo, como se estivesse sendo sufocado. A visão se enegreceu, por mais que ele tentasse manter os olhos abertos. Os pensamentos eram confusos demais, misturando lembranças e ideias, como se tentasse passar de uma vez, todos os pensamentos que teve na vida e eles se sobrepusessem, sem sentido algum.

Jean LeMahieu morreu pela a espada de Melendorf, mas o tolo ali não era ele.

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Melendorf


Melendorf caminhava para fora do monastério em chamas vitorioso.

Ele havia eliminado a força dos Torre,acabado com a resistência em Dijón, executado LeMahieu e recuperado os manuscritos acerca da pintura. Ele era o vencedor aquela noite.

De volta a carruagem que o aguardava do lado de fora, Melendorf entrou como um cavalheiro voltando de uma missa ou algum evento social. No caminho, usava um lenço para limpar a lâmina de sua espada, Ladra de Vidas devia estar sempre impecável e reluzente. Sempre pronta para se encontrar com o sangue dos hereges.

Enquanto seguia no caminho pela cidade escura e incomumente agitada aquela noite, Melendorf pensava em sua Charlotte e sua casa. Ele lamentava ser um marido tão ausente mas sua amada devia compreender que a causa era maior do que ele ou ela. A causa era sobre o mundo. A causa era tudo.

A mansão comprada pelo nome de Hans Hutten era um lugar confortável e muito belo, e servia como a fachada perfeita para o rico burguês trabalhando com a CP

Dentro da mansão se escondia uma realidade paralela a do lado de fora. Aquele era o quartel-general de Melendorf em Dijón.

Enquanto entrava pelos corredores tomados por soldados e empregados falava com um de seus tenentes:

- Alguma novidade de Paris?

- Nada denovo senhor, o prefeito ainda não colabora. E ele tem recebido auxilio anônimo. Alguém está atacando todo nosso pessoal lá.

- Vieri?

- Se fosse para apostar, apostaria no esfolador.

- Durer vai morrer de inveja quando souber. Eu estou com os manuscritos.

Ao falar a palavra "manuscritos", Melendorf estendeu a mão para o soldado que havia pegado a bolsa e este entregou os papéis para o chefe.

Melendorf sentava em uma caderia junto a sua mesa em seu escritório enquanto ordenava:

- Vão chamar Drexler!

Satisfeito, Melendorf começou a ler os manuscritos apenas para ter uma terrivelmente desagradavel surpresa.

- O qu... O que?!Orações?! Maldito LeMahieu!

A satisfação de antes rápidamente se tornou em uma fúria desmedida. Melndorf virou a mesa, pegou um belo vaso de flores e jogou contra a parede enquanto gritava maldições a todos.

Aqueles não eram os manuscritos que ele buscava, e agora a biblioteca do monásterio deviam ser apenas cinzas.

- Bem jogado LeMahieu, bem jogado.
Raquel_


Gael percorreu a horta, alcançando um portão nos fundos do monastério, e destrancou para que o grupo saísse. A saída direcionava para as ruas de terra batida de Dijon, onde aparentemente tudo estava tranquilo, e o combate não reverberava com sua força. Leonardo se aproximou de Gael, e pousou suas mãos nos ombros do noviço, num gesto de agradecimento. Silenciosamente se despediram, Raquel e Leonardo seguiram em direção ao centro de Dijon, e Gael seguiu seu rumo para o lado oposto.

Leonardo segurava a bolsa com firmeza, e os dois caminharam lado a lado entre os transeuntes que encontravam, era relativamente fácil para Raquel ser confundida com um rapaz. Naquela região, a vida corria normalmente, sem maiores sustos. Era uma região mais pobre, onde nas ruas o cheiro de esterco dos cavalos dividia presença constante com o cheiro dos dejetos humanos despejados em pequenas valas por senhorinhas. A cada passo se distanciavam da região mais pobre, e as ruas iam se modificando cada vez que se aproximavam do centro.

Raquel indicava o caminho até a praça principal, onde ficavam ambulantes com carroças estacionadas, à espera de ganharem algum dinheiro. Os dois apressaram o passo, chegaram na praça e Raquel conversou com um dos ambulantes, negociando para que os levassem até onde estavam instalados, longe da cidade. O ambulante, desconfiado ao notar que o rapaz com quem conversava na verdade era uma moça, pediu um pouco a mais com o pretexto de comprar comida para os seus animais. Raquel não discordou, pois tinha um pouco de pressa. A breve viagem foi tranquila, nenhum sobressalto aconteceu.

Porém, ao se aproximarem da casa, na estrada que levava aos portões, Raquel e Leonardo ficaram estupefatos. Uma fumaça preta emanava da propriedade, e tudo estava reduzido a cinzas. O ambulante deixou os primos em frente ao que era uma casa no passado, e ficou aguardando o pagamento. Por precaução, Raquel pediu para que aguardasse, e foi observar o local incendiado. Não havia nenhum vestígio de vida, e ao caminhar pelos escombros, Raquel encontrou um corpo carbonizado, o que parecia ser um dos guardas. Os dois andares do casarão viraram ruínas, com tudo que havia dentro, e lembrou-se de que no salão de reuniões do seu pai haviam muitos manuscritos e mapas que exibiam informações sobre Hettinger.

Sem acreditar no que via enquanto caminhava pelas cinzas, Raquel se deu conta que era o fim material do seu passado. Restava agora as lembranças que possuía, juntamente com as coisas que tinha enviado para Portugal. Não tinha sobrado nada para contar alguma história posterior, nem que fosse para seus futuros filhos. Ela encontrou seu baú no meio das cinzas, destruído. Ajoelhou-se, e tocou no baú com as pontas dos dedos, sentindo um imenso pesar pela sua perda tão íntima. De repente deu um soco no objeto, esfarelando-o parcialmente. Passou alguns minutos em silêncio, e levantou-se.

Enérgica, caminhou diretamente até Leonardo, que estava verificando também o tamanho do prejuízo. Com o olhar colérico e rangendo os dentes, olhou para o primo e num instante deu um grito estridente:

- Je veux sa mort! - Gritou mais uma vez, até ficar sem ar - Je veux sa mort!

Leonardo abraçou-a instintivamente, querendo apaziguar seu ódio. Raquel socava o peito do seu primo com as duas mãos, até por fim parar e tentar se acalmar nos braços que se estenderam para apoiar no momento da sua dor.
Leonardodavinci


O jovem italiano ficara bestificado ao ver aquele imenso casarão reduzido a uma massa disforme enegrecida pelo calor das chamas. A cortina de fumaça que subia, adoecia o ar em torno de toda a propriedade. Não entendia o que poderia ter acontecido, mas podia imaginar que Hettinger não havia perdido tempo em seu contra-ataque. Mas como isso era possível? Ele sabia o tempo todo dos planos dos Torre?

Leonardo reparou nos olhos de Raquel, o quanto ela estava abalada por aquela visão. Aquele era o passado dela, uma parte dela e das melhores lembranças da tenra idade havia sido feito em cinzas, destroçadas por alguém que ela apenas tinha o conhecimento do nome e por retaliação por salvar uma cidade do que poderia ser uma década de uma epidemia mortífera. Ele a acompanhou até a propriedade para analisar as ruínas, pequenos pedaços de cinzas se prendiam as suas roupas, a fumaça incomodava as narinas e os olhos. Sentia que o solo estava quente ainda e quando pisava em algum objeto, este se esfarelava e se juntava a nuvem de fumaça.

Leonardo deixou que Raquel caminhasse pelas cinzas. Embora quisesse privá-la dessa dor com todas as suas forças, era necessário dar a ela o tempo para processar o que acabara de lhe ocorrer. Ele a envolveu, quando ela gritava em ódio. Sentia como se tentasse conter uma tempestade com os braços, ela se debatia e o socava no peito, coberta de cinzas, quase podia se misturar as ruínas.

Por fim, ele sentiu como se de tempestade, ela se tornasse em cristal, frágil e trincada pela dor. Aquela sensação o tocou profundamente. A mulher que tinha em seus braços sempre fora um grande exemplo pra ele, admirava-a como a ninguém mais. Seu coração ardia em angústia por vê-la sofrer daquela maneira. Sabia que era tolice, mas sentia que jamais poderia deixá-la se ferir novamente, queria poder guardá-la, protegê-la e sofrer tudo no lugar dela, mesmo sabendo que não tinha sequer um quarto da força que ela dispunha.

Levou-a até a carroça e ordenou ao ambulante que os levassem para longe daquele lugar.

Leonardo passou alguns minutos dentro da carroça que chacolhava ao passar pelas estradas irregulares até a Mansão dos Bertrand. Era a melhor opção no momento e provavelmente o lugar mais seguro para descansarem antes de fugir da França. Ele tinha esperança que Hettinger não tivesse atacado também os Bertrand, mas mesmo assim, ainda tinha muito na cabeça para pensar. Não sabia o paradeiro de Anton e o haviam deixado pela última vez em uma sala em chamas, em desvantagem numérica contra um grupo de soldados bem armados e treinados.

Ele passou a mão pela bolsa com os documentos que comprometiam as operações de Hettinger. Se Anton não escapasse, se mais essa dor atingisse sua prima Raquel e se os Torre, sem o patriarca, se desmanchassem, teria valido a pena? Ela havia ficado em silêncio durante todo o trajeto, num pranto silencioso, o olhar esquivo, de um lado a outro da estrada, sem querer fitar nada.

Quando chegaram a mansão dos Bertrand, foram recepcionados por guardas armados, que abriram as portas ao reconhecerem Raquel. Ao menos, parecia que este lugar não havia sido comprometido, mas era uma questão de tempo. Eles precisavam se preparar para retornar a Portugal o quanto antes, a França tinha agentes demais de Hettinger e cada dia ali era um grande perigo para todos.

A mansão dos Bertrand era um imponente edifício, a carroça cruzou o grande jardim em frente à casa e parou em frente a uma grande escadaria que levava a entrada principal. Grandes portas protegiam e selavam a casa e os Torre passaram por ela, como se entrassem numa tumba. Estava tudo em silêncio, os dois estavam sujos e maltrapilhos e as notícias da destruição da residência dos Torre chegavam aos poucos e desencontradas.

Eles passaram pelo hall e subiram até o terceiro andar, onde ficavam os quartos. Uma das criadas se aproximou dos dois.

- Dama Raquel, o que houve com você?


- A casa dos Torre foi destruída, queimada até as cinzas. Eu e Raquel estivemos lá. - Leonardo se adiantou na resposta, para resguardar a prima da dor de relatar o que tinha visto. – Traga roupas novas para ela, por favor, vamos partir em breve.

A criada assentiu, sem mais perguntas e ele conduziu sua prima até um dos quartos e deixou-a um pouco sozinha. Ficou no corredor, esperando que ela se trocasse, pensando no que poderia ser feito. Sua cabeça doía, sobrevivera a uma explosão, a um incêndio, a uma turba de soldados treinados querendo mata-lo e passara a noite toda acordado. Não conseguia conceber um plano, pensava apenas em fugir dali e colocar sua prima fora de perigo.

Charlie Hagfish entrou exasperado no hall e subiu as escadas ao encontro de Leonardo. Segurou o rapaz pelos ombros, os olhos cheios de amargura e aflição, como dificilmente seria capaz de se causar num homem já tão velho e tão cheio de cicatrizes.

- A Raquel está aqui? Ela está bem? – A voz de Charlie era pesada.

- Está no quarto. Ela está bem, mas precisamos fugir, Charlie, não podemos ficar aqui muito tempo.
respondeu o rapaz.

- O Anton... onde está?

Leonardo sacudiu a cabeça em negativa e desviou o olhar. As chances de que Anton tivesse sobrevivido eram ínfimas e não havia como ele saber onde ele estava. O sentimento de Charlie era quase palpável, uma tristeza profunda, não marcada pela contração triste do rosto, mas por uma completa rigidez da expressão facial. O homem se apoiou no corrimão e ficou alguns momentos em silêncio.

- Vou pedir que os criados arranjem uma carroça e um punhado de provisões. Levem roupas, mas apenas o essencial, precisamos estar leves. –
Charlie parecia então firme como uma rocha. Ele tinha um dever a cumprir. Iria proteger os Torre até o fim. Por Shokan e por Anton.

- Para onde vamos, Charlie?


- Dôle. Rumo ao Reno.


O velho virou as costas, desceu as escadas mancando sobre a perna falsa. Os Torre estavam quebrados. Dijón pereceu.

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Raquel_


Sem nenhuma resistência, Raquel fora conduzida para um quarto, e ali foi deixada sozinha. A criada buscaria um vestido de Alícia, enquanto isso Raquel deitou na cama com o rosto enterrado na colcha. Não queria pensar em nada, nem relembrar o que tinha visto na sua residência anterior, mas certos sentimentos a dominavam e a deixavam inquieta. Girou o corpo para que pudesse olhar para o vazio de uma das paredes, e repensar sobre o ocorrido naquela temporada em Dijon.

Minutos depois a camareira retornou ao quarto com dois vestidos de Alicia, para que Raquel pudesse trocar de roupa. A mesma criada avisa que o jantar seria servido aos visitantes, e que tudo estava sendo providenciado para a viagem. Após dar o aviso, a criada se retirou. Raquel ainda demorou um tempo deitada, mas tratou de tirar as roupas que a masculinizavam, e trocou por um vestido simples que não chamasse muito a atenção. Ajeitou um adorno nos cabelos, e saiu do quarto, quando avistou Leo no corredor.

Leo e Raquel desceram as escadas, direto para a mesa de jantar, onde Charlie já os aguardava. Um silêncio preenchia o cômodo durante o jantar, até ser interrompido por um dos criados da casa, avisando a Charlie que os preparativos para a viagem já estavam prontos. Os três se apressaram em terminar o jantar, e enquanto Raquel esperava na sala, Leonardo e Charlie depositavam na carroça os últimos pertences que ficaram para trás. Por último, Charlie foi até o escritório da casa, demorou alguns minutos e saiu de lá, avisando que poderiam partir.

Na porta do casarão, Raquel olhou para trás numa atitude de despedida, e Leonardo pacientemente a conduziu até a caçamba da carroça, onde havia alguns lençóis e um cobertor estendidos para que ela fosse dormindo durante a viagem.

Assim, todos se despediram e Charlie guiava a carroça para fora da residência dos Bertrand, rumo a Dôle, numa viagem que duraria dois dias, se não ocorrer nenhum percalço no meio no caminho, isto é: serem descobertos pelos comparsas de Hettinger.
Sir_anton


- Um lobo sempre trás as cicatrizes das caçadas. Seus aliados podem aceitar a derrota, se ela for um obstáculo no percurso, não o objetivo final!- Shokan falava a Anton e Richard em meio a um bosque de Dijón, era uma noite fria, não o bastante para nevar, mas o suficiente para ser incomôda para qualquer um.

Os três estavam sentados em volta de uma fogueira, após um dia de caçada.Frustrado para Anton, naquele dia ele não havia eliminado nenhuma presa e suas habilidades de arquearia se mostravam quase nulas.


Calmamente, o fogo se apagou, a luz alaranjada e o calor desapareceram, enquanto outros sons invadiam a cabeça de Anton, ele ouvia riso luxuriantes, ouvia taças se chocando em brindes, seus olhos se abriram devagar,com luz invadindo seus olhos, em meio a iluminação, havia uma jovem, Anton não conseguia distinguir seu rosto, mas assim que a mesma o viu recuperar a consciência foi rápidamente avisar alguém.

Anton quase não percebeu quando a jovem saiu do quarto, sua concentração estava em uma pequena batalha particuluar: sair da cama.

Sofrivelmente, conseguiu sair do seu leito, apenas para cair no chão ao tentar firmar as pernas, confuso, se arrastou até a guarda da cama, e tentou se levantar com muito mais esforço do que precisaria normalmente. concentrado nesta escalada, ele ignorou quando a porta abriu e três figuras entraram no local acompanhando a jovem.

Um homem entre estes foi rápidamente ao auxilio de Anton ao ver suas tentativas sem sucesso, com esta ajuda, o recém acordado foi capaz de se sentar na cama.

Anton reconheceu o homem que o ajudou, era Clemente, um de seus soldados, o que havia estado com ele e Alícia no monastério.

- Cuidado para não abrir as suturas LeBlanc!-O tom sarcástico pertencia a maior assassina francesa que Anton conhecia. Anton gostou de ver Alícia em sua frente e Hugo próximo a porta. Os Bertrand permaneciam vivos.

- Onde eu estou?

- Les Plaisirs Cachés.

- Mas... Este é o nome de um...

- Bordel, Mousier LeBlanc,- Um homem vestiado extravagantemente entrava pela porta, interrompendo Anton - Este é um dos melhores bordéis da França e o senhor tem o privilégio de estar na área reservada apenas para os convidados mais ilustres do meus estabelecimento Eu sou Benoit Allaire, à sua disposição.

Antes que Anton pudesse dizer qualquer coisa, Alícia começou a falar,em um tom de voz baixo e fraco:

- Você dormiu Anton...Por três dias.O monastério é uma pilha de cinzas, LeMahieu está morto e... Sua casa...

Anton ficou atônito ao ouvir a voz de Betrand ficar trêmula.

- Fale.

- Melendorf a atacou a noite, queimou a casa e não temos noticias de Godoy ou Hagfish desde então.Eles provavelmente...

- ...Estão mortos.

Anton ficou em silêncio por alguns segundos, ele só pensava no velho Charlie morto, ele havia sido como um pai para Anton e ele não podia imaginar que Charlie morreria um dia.Em sua mente, Anton estava de luto.

Anton tentou sair da cama,esquecendo a batalha de quando acordou, apenas para cair denovo, foi só naquele momento, que notou sua incapacidade de firmar suas pernas, confuso fazia milhões de questionamentos enquanto Alícia e Clemente o ajudavam.

- Você quase não sobreviveu Anton...-Hugo que estava em silêncio até agora,começava a falar enquanto Anton observa as bandagens espalhadas pelo seu corpo - Seus ferimentos eram o suficiente para matar um pelotão, você chegou perto de ser ferido fatalmente uma dúzia de vezes,mas sobreviveu a todas por milimetros...Com certeza você é um diabo sortudo,mas sua perna...Você pode ter uma dificuldade para andar...Uma grande dificuldade...

- O que você está dizendo?

- Não é permanente!- Alícia falou quase que em um reflexo - Bom, o médico disse que pode não ser permanente...

Foi só então que Anton notou que Hugo trazia uma bengala nas mãos,ele não sabia como lidaria com aquilo.Mas ele não teve de pensar muito, logo as novidades surgiram.

- Quando as coisas sairam do controle,eu e Clemente te tiramos da luta, nós escondemos e torcemos para o fogo não nos alcançar. Conseguimos escapar enquanto os soldados de Melendorf verificavam o resto do monastério...Até encontrarmos Hugo na rua.

- Tentemos te levar para sua casa mas ela estava distruída, presumimos que o mesmo teria acontecido com a nossa, então decidimos te trazer para o único lugar seguro que conhecíamos.- Hugo terminava o relato iniciado pela irmã em uma sincronia perfeita.

- Vocês me trouxeram para um bordel...Eu não me importo, mas dúvido que Raquel compartilhe de minha compreensão, o que ela achou disso?

Um silêncio tomou conta do quarto, nenhum dos quatro se atrevou a dizer uma palavra, eles apenas trocavam olhares nervosos. Aquilo irritou Anton.

- Apenas falem!

Foi Clemente quem decidiu dar a noticía:

- Senhor...Nós não encontramos sinais da Senhorita Raquel ou do Senhor Leonardo após eles escaparem do monastério.

- Até esta manhã-Apontou Benoit Allaire.

- Correto. Esta manhã encontramos um monge, Gael, foi ele quem escapou com a Senhorita Raquel.

-E o que ele disse?!

- Que a senhorita Raquel e Leonardo foram até a sua casa...Ele se saparou deles antes disso, mas tem certeza que os dois comentaram isso.

Um terrou súbito tomou conta de Anton. aquilo não podia ser verdade. Não Raquel.
Após infinitos questionamentos sobre se haviam procurado sua irmã, Anton chegou a conclusão que era ele devia fazer algo.

- Melendorf.Melendorf vai morrer.Se ele tiver família,eles vão morrer primeiro.

- Não estamos exatamente em uma posição de fazer isto Anton...

- Não, mas nós iremos estar.Precisamos nos preparar, arrumem tudo,estamos de perdida.

- Para onde vamos?

- Clermont.

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Raquel_


O grupo formado por Raquel, Leonardo e Charlie chegaram em Dôle após dois dias e meio de viagem quase ininterrupta. O frio havia se intensificado, sinal de que o inverno estava próximo. A carroça que levava o grupo seguia sem pressa pelas ruas de pedra vazias, e pouco iluminadas à noite, e o silêncio se mantinha entre os três.

Raquel tinha o conhecimento da beleza dos canais de Dôle, que podia ser chamada de pequena Veneza. Seu pai comentou sobre o clima bucólico que Dôle trazia em seus passeios solitários com sua mãe. Mas como ela chegou à noite na cidade, não pôde usufruir das belas paisagens que seu pai narrava com carinho.

Charlie guiou a carroça para uma rua repleta de estalagens, e escolheu uma que tinha um amplo terreno onde podia esconder a carroça do movimento diário da cidade. Raquel sabia que não precisava se preocupar, pois ele era quase um pai substituto e que estaria protegida o quanto fosse necessário. Os três desceram, e entraram na estalagem, para requerer dois quartos distintos, um ao lado do outro. Após as providências quanto ao registro feito com nomes falsos, Raquel seguiu para o seu quarto com uma pouca quantidade de coisas, enquanto Leonardo e Charlie buscaram o que precisavam na carroça.

Raquel abriu a porta do quarto, e avistou uma organização simples e humilde. Nada mais importava, pensava somente em descansar. Dirigiu-se até a cômoda onde havia uma pequena bacia e um jarro de água. Encheu a bacia com a água, e lavou as mãos, o rosto e principalmente a nuca. Secou-se com uma pequena toalha, e preparou-se para dormir. Quando desabotoou o vestido, ouviu batidas na porta. Raquel segurava o vestido, e abriu a porta, escondendo-se parcialmente atrás dela.

- Está tudo bem? Precisa de alguma coisa?
- Era Leonardo com um ar preocupado.

- Obrigada, Leo. Não preciso de nada no momento, apenas descansar.


- Eu sei. Mas queria me certificar.


- Amanhã após o desejum gostaria de olhar aqueles documentos do monastério...


- Teremos tempo para isso, descanse bem. - Leonardo dá um beijo na testa de Raquel, fazendo com que Raquel ficasse um pouco embaraçada e um lado do vestido escorreu por um dos ombros dela, deixando aparecer mais o colo.

Houve um silêncio constrangedor, e Leonardo falou para quebrar o impasse.

- Melhor seguir para o meu quarto, você precisa descansar... boa noite.


- Boa noite, Leo...


Raquel fechou a porta constrangida.
Leonardodavinci


A visita a Dôle foi curta, apenas puderam pernoitar na cidade, antes de já partirem para o destino seguinte. Quando a os primeiros raios de sól se revelavam no horizonte, e banhavam a belíssima paisagem em torno da cidade, o grupo já estava na carroça, pronto para partir. Leonardo lamentava aquela saída apressada, queria poder aproveitar as cidades francesas, mas o risco era muito alto.

Dôle era apenas a primeira parada fora da Borgonha. Charlie atingia os cavalos impiedosamente, acelerando a carroça conforme prosseguiam. Queriam poder chegar em Poligny antes do anoitecer e para isso, aplicava todo seu empenho e forçava os cavalos ao máximo. O jovem italiano percebia na soturna figura de Hagfish, que havia algo que ele percebia, que ninguém mais via. O sentimento de alerta permeava todos, mas em Charlie ele era direcionado, convertido em ações bastante específicas.

Os primeiros campos após a cidade, foram tranquilos e os cavalos puderam alcançar a maior velocidade. As estradas no entanto, ficavam mais tortuosas conforme se aproximavam de Poligny. Alcançaram o objetivo rapidamente e quando finalmente, chegaram, permitiram-se descansar novamente em uma estalagem. Os cavalos teriam o descanso que precisavam, pois o dia seguinte reservava uma maior dureza. Seria apenas um pernoite, como no dia anterior, mas Poligny era uma cidade muito menor e poucos eram seus visitantes, isso dificultava ainda mais para o grupo, pois acabavam por chamar maior atenção.

A noite foi longa e conturbada, Leonardo acordara diversas vezes, incomodado, levantava-se e observava pela janela o movimento na rua. Sentia-se como se estivesse sendo observado e isso o perturbava. Um certo temor permeava o ambiente, ele ficava atento ao mínimo barulho, principalmente se advindos do quartos de sua prima ao lado. Após horas de perturbação, finalmente, as batidas na porta anunciaram que era hora de partir novamente.

A cidade seguinte era Saint-Claude, mas um trajeto extremamente complicado levava até aquela cidade. As colinas da Jura, primeiro prenúncio da região dos Alpes ao sul, revelou-se um verdadeiro desafio para a carroça. Charlie conhecia apenas vagamente aquela estrada e a dificuldade apenas se ampliava a cada colina que atravessavam e a cada montanha que contornavam. A visibilidade era muito parca, não podiam se arriscar a subir uma colina demasiado alta, com o risco de serem vistos ou de uma das rodas da carroça se soltarem. Eram quase 50 milhas, através de um relevo completamente irregular. Os ânimos foram levados ao limite e vacilavam, toda vez que os cavalos se recusavam a uma subida.

Leonardo se arrependeu amargamente de não ter dormido tranquilamente na noite anterior. Próximo a Clairvaux-les-Lacs a carroça perdera uma das rodas, como já era esperado, devido a velocidade em que eram forçados a viajar. Batalharam por quase uma hora para conseguir conduzi-la até o vilarejo de Moirans-en-Montagne. Conseguiram um carpinteiro livre, que aceitou trabalhar imediatamente, mesmo porque o valor oferecido pelo serviço era o triplo do ordenado comum que ele recebia. Nesse ponto, os paredões de rocha eram tão altos, que o grupo só os podia contornar. Quando finalmente chegaram em Saint-Claude, duas grandes montanhas os recebiam, quase como se tivessem sido cortadas ao meio pelo pequeno rio que passava entre elas e banhava a bela cidade espremida entre as duas elevações.

Mais um pernoite e se dirigiram ao sul, em direção ao Lac Léman. Do outro lado do enorme lago, estava o Ducado de Sabóia e uma magnífica e gigantesca Genebra, os aguardava na margem seguinte. Chegando as margens do lago muito antes ao meio dia, puderam se antecipar e alugar um barco, para descer em direção a Lyon. Passaram pela enorme cidade que se reclinava as margens do lago. Leonardo se ressentiu profundamente por não poder visitar aquela cidade, apenas puderam passar diante dela. O italiano colocou os olhos sobre as torres da Cathédrale de Saint-Pierre, desejando se elevar, como as torres, a altura da paisagem dos Alpes que a cercavam.

Eles adentraram no rio Ródano, seguindo para Lyon. O rio era hora caudaloso, hora calmo e extremamente tortuoso, principalmente na proximidade com os Alpes, quando ele desviava por trechos irregulares e cercado por gigantescas montanhas. Conforme se afastavam e novamente adentravam o interior da França, atravessando Sabóia e finalmente adentrando na região do Lyonnais-Dauphine. Diante deles, Lyon abraçava o Ródano e Saône.

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Raquel_


Com a passagem pelos Alpes, o frio do outono havia se intensificado. O grupo atravessou pelas muralhas de Lyon nos limites do esgotamento físico, com os suprimentos prestes a se esgotarem. Lyon era uma cidade que para Raquel demonstrava uma sensação de segurança, pois estava em larga expansão. Seu pai havia estabelecido uma pequena residência naquela cidade, que quase poucos sabiam a respeito.

Um deles era Charlie, que conduziu o grupo até a pequena residência e discreta, mas não distante das movimentações, longe apenas a algumas ruas da Catedral de Saint-Jean. Lyon estava em constante mudança, com pessoas de valor significativo e contribuição para o progresso a se instalarem. Nessa questão, a cidade parecia ser mais promissora que Dijon, onde havia nascido.

O grupo chegou na residência, e Charlie abriu a porta. Não havia ninguém, nem sinais de uso nos últimos tempos. Raquel tinha esperança de reencontrar Anton ali, mas logo seu anseio se dissipou, dando lugar à tristeza, em pensar na possibilidade que poderia ter perdido o irmão. O cansaço contribuía para que se irritasse com a situação, e do jeito que chegou, arrumou uma das camas e dormiu.

No dia seguinte, Charlie havia trazido o suficiente para suprir o que faltava para comer, cumprimentando os primos e orientando a Raquel que fosse no banco de Lyon providenciar um dos últimos recursos que haviam para a fuga da França. Raquel concordou, e pediu que Charlie a acompanhasse. Logo após o desjejum, Raquel insistiu com Leonardo para olhar os documentos que adquiriram de Gael, e logo foi atendida. Haviam manuscritos das movimentações de Hettinger pela França e planos de expansão para outros lugares como Portugal, mas ao olhar dois deles, ela relembrou de um fato da sua infância.

A morte de um nobre em Dijón, cujo patrimônio fora saqueado e as joias da família confiscadas. Raquel se recordou muito bem que seu pai tinha sido avisado do episódio, mas nada fora comentado em casa. E agora vinha à tona o ocorrido em outros termos, com Hettinger sendo o mandante do assassinato e ter sob seu poderio o patrimônio daquela família para financiar a expansão das suas atividades ilícitas pela França.

Além do mais, o documento principal mencionava uma pintura muito cobiçada por Hettinger, mas Raquel não podia entender o que estava escrito porque estava cifrada. Leonardo acompanhava a leitura daqueles manuscritos, e Raquel mais que nunca desejava que Anton estivesse ali.
Sir_anton


Antion não possuia nenhum prazer por passar por Nervers, ele nunca tinha gostado da cidade. Nem quando era pequeno. E agora ela era o lugar mais seguro que havia estado nos últimos dias.

Nevers ficava no caminho para Clermont e portanto, no caminho de Anton.

Uma taverninha qualquer próxima a casa do povo estava agitada aquele dia: Sete cavaleiros montados haviam chegado a noite e agora quatro figuras misteriosas se aproximavam.

Anton acompanhado por Clemente e os irmãos Bertrand entrou sem chamar a atenção na taverna. Ele havia ouvido um boato no bordel de Benoit e queria saber se era verdade.

Os cavaleiros que haviam chegado a noite estavam em uma mesa no outro lado da taverna e enquanto bebiam,comiam e riam não se davam conta de Anton os observando em um canto escuro da taverna.

- Saraiva,Botelho,Regnard,Lebas,Cailloux,de Soto.

- O que?-Hugo perguntou sem entender o que Anton falava.

- São seus nomes. Eu sei disso porque eles eram meus soldados.

- Sobreviventes?

- Não por muito tempo.

Anton mancou até a mesa dos cavaleiros, ainda não havia se adaptado a usar a bengala. Hugo,Clemente e Alícia ficaram para trás mas logo seguiram Anton.

- Posso beber com os cavalheiros?

Os mercenários olharam um a um para Anton, logo uma expressão de medo tomou conta de seus rostos. Eles estavam vendo um fantasma?

- Talvez vocês queiram me contar como sobreviveram ao ataque a mnha casa-Anton pegou algumas moedas da mão de um dos mercenários que estava estático - E como vocês estão cheios de floríns? Floríns...

- Senhor Torre nós...

Um dos soldados começou a gaguejar algo, mas não pode terminar. Quando os outros homens olharam para ele, esperando que ele tivesse uma saída. Anton largou a bengala e puxou duas adagas da cintura cravando cada uma na nuca de um dos dois homens que estavam na sua frente.

A visão congelou o homem que falava, a próxima coisa que ele viu foi Clemente o arrancando do banco e o jogando no chão e após isto, apenas o escuro.

Alícia e Hugo atacaram os dois outros homens e Anton se virou parao restante.

Pegou uma caneca de cerveja e jogou o liquido no rosto do homem. Em seguida Anton pegou sua bengala e acertou a o rosto do homem com força o suficiente para o derrubar do banco que sentava.

Com o homem no chão Anton seguia batendo em seu rosto com a bengala enquanto dizia:

- Quando você foi contratado... Eu pensei que tinha lhe dito...A única regra: Não... Sacaneie...O...Anton!

Anton parou ao percebeu que o rosto do homem estava destruído e ele já não possuía vida.

A taverna estava vazia a não ser pelos cadávares,o grupo de Anton e o taverneiro. Este último encarava Anton parado como uma estátua.

- Eu vi sete cavalos lá fora.

- Lá...Trás...

O taverneiro gaguejou apontando para uma porta nos fundos.

Anton sacou sua espada e foi em direção ao último traidor, que devia ter saído para realizar suas necessidades fisiológicas.

Após chutar a porta, Torre viu um cavalo correndo rápidamente e montado nele Manfredo Godoy.

Naquele momento, uma fúria enorme incêndiou o corpo de Anton. Godoy, que ele conhecia desde criança, que era amigo de seu pai, que Anton havia se arriscado para salvar, havia o traído? Não. Aquilo não era aceitável. Os seis mercenários receberam mortes rápidas, Manfredo não teria esse direito.

Anton tentou correr até seu cavalo mas o problema em seu joelho o fez cair. Clemente e Alícia tentaram o ajudar, mas Anton gritava ordens:

- Me deixem! Atrás dele! Atrás do traídor!

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Leonardodavinci



Leonardo passara boa parte da manhã e o inicio da tarde dedicado a análise daqueles documentos conseguidos com LeMahieu. As diversas páginas, relatavam todo tipo de atividade por todo o território europeu. Obviamente, LeMahieu não fora capaz de conectar os pontos, geralmente, suas anotações apontavam para a obtenção de recursos ou a desestabilização de um determinado governante. No entanto, havia certa desordem, que o monge interpretou como ataques de oportunidade.

O jovem italiano observou a prima, extremamente focada no documento que deveria conter, segundo as anotações de LeMahieu, detalhes acerca de uma pintura, cujo o interesse de Hettinger era notável. O rapaz, no entanto, se interessava pelos documentos secundários, aqueles que LeMahieu acreditava serem meros contatos e objetivos menores. Acreditava que se fosse capaz de entender o pensamento de Hettinger em suas operações, seria útil na hora de enfrentá-lo mais ativamente. O sucesso em Dijón fora tão questionável, que se para cada vitória num campo secundário de Hettinger, sofressem uma perda pessoal intensa, estariam liquidados antes mesmo de entender o plano de seu algoz para a Europa.

Leonardo não tinha dúvidas que Anton estava morto. A perda de alguém tão próximo a ele nos últimos dois anos era realmente dolorosa, mas ele não podia se ater aquilo. Perdera tantos entes queridos nos últimos anos, que os golpes batiam surdos no seu peito. É impossível se acostumar a dor da perda, mas assim como todos os outros flagelos da existência frágil do homem, é possível tornar-se mais resistente a cada golpe. Anton, ao contrário de Vincenzo, o orientara sua marcialidade ao equilibrio. Apesar da moral questionável com que guiava suas ações, Anton pendia a estabilidade e justiça, ao contrário da morte pelo prazer.

Reuniu alguns documentos com ele, separando discretamente, de forma que Raquel não notasse. Aproveitou uma pausa que a prima pedira, reuniu os documentos escolhidos, vestiu-se com uma capa e se retirou da casa onde se escondiam. Sabia que Charlie o vira sair, mas o mordomo não poderia deixar Raquel sozinha e isso era a vantagem que o rapaz precisava para que não o importunassem. Não tomou um cavalo, caminhou pelas ruas do centro da grande Lyon, abarrotada de burgueses e todo o povaréu que habitava a cidade em ascensão. Caminhava desconfiado, atravessando o centro, cruzou a pont du Change, observando ao lado, estável sobre a água o quai de Saint-Antoine, de onde saíam e aportavam os barcos que chegavam pelo Saône.

Após cruzar a ponte, apenas algumas centenas de metros o separavam de seu objetivo, os quais apressadamente foi capaz de cobrir em poucos minutos. Chegou diante a maison da família Gadagni. O belo edifício, era guarnecido por alguns guardas contratados, que logo exigiram a identificação de Leonardo. Ao ouvirem seu sobrenome e observarem o mandato que carregava em nome da família, mandaram questionar o chefe da família que morava ali, que o permitiu entrar. Ele cruzou o imenso e decorado, pórtico de entrada, adentrando o hall da mansão. Um guarda o observava atentamente, com o pretexto de escoltá-lo até o escritório do signore Gadagni.

Leonardo sentou-se numa das cadeiras estofadas e cobertas de veludo, que mais pareciam desenhadas para decoração do que para a funcionalidade. Todo o ambiente, organizado, repleto de obras de arte e elementos caríssimos, tinha o objetivo simples de intimidar qualquer um que adentrasse ali. O teto era alto e profundo, diminuindo a perspectiva do observador, fazendo o se sentir menor. O rapaz, não estava acostumado com aquilo, mas entendia o jogo e não entraria nele. Teve de esperar alguns minutos, sob o pretexto de que seu anfitrião era idoso, mas ele jamais teria entrado ali, se não fosse devido a intensa curiosidade do signore que o recebia.

A espera findou com a entrada do homem, acompanhado de seu filho de dez anos. Os cabelos brancos do homem, contrastavam com a viva e encaracolada cabeleira do infante. Os olhos, no entanto, dos dois eram muito semelhantes. O olhar era rápido e fugidio, ao mesmo tempo que profundo. Típicos oportunistas, a família Gadagni era formada por nobres florentinos, pertencentes a linhagem antiga da época de Carlos Magno. Era muito ricos, pela quantidade de terras que detinham e ainda mais ricos pelo sucesso do comércio que faziam com Gênova e distribuíam para a região do Il Delfinato. O homem sentou-se do outro lado da mesa e escrutinou o rapaz.

- Signore Lionardo, não é mesmo? Interessante conhecê-lo. - iniciou o velho, em tom formal.

- Igualmente, signore Gadagni. Sua reputação quanto ao bom gosto e fortuna em Lyon o procedem.

O velho se prostrou sobre a mesa, os olhinhos pequenos, ainda mais reduzidos pelas pálpebras semicerradas.

- Me pergunto se a reputação de sua família o procede.

- Há muitos exageros, de todos os lados, no final, somos homens de negócios, como o senhor e tantos outros florentinos. - Leonardo percebeu o erro em seguida, mas já havia cometido.

- Não, não, não. - o homem agitou a cabeça e as mãos em negativa. Indignação fingida, mas se a fingia, tinha que ser levada em conta - Nossas atividades são bem diferentes.

- Ouro é ouro. - sentenciou o rapaz.

O velho sorriu, calmamente, se recostou novamente na cadeira.

- Você é jovem, por isso é que pensa assim, mas para mim, ouro manchado de sangue, é ouro sujo


Leonardo cerrou os punhos, detestava a arrogância das outras famílias italianas. Desdenhavam dos condottieri, mas corriam a eles com altíssimas somas de dinheiro, sempre que estavam em apuros. A vida na França, devia ter nublado a visão do velho Simon Gadagni, feito-o esquecer da queda dos Visconti e ascensão dos condottieri Sforza em Milão, duas décadas antes. O rapaz precisou de alguns momentos, para conter um discurso e cautelosamente desviar a situação. O Gadagni queria divertir-se, mas ele não estava ali para isso.

- O ouro é sempre sujo, passa pelas mãos de gente demais, para ser limpo. -
ele agitou a mão, como se afastasse o assunto - O que me traz aqui, signore, não é uma discussão sobre a natureza do ouro, mas um assunto que talvez seja de vosso interesse.

- Estou ouvindo.

- Só precisará ler isto. -
o rapaz afirmou, retirando uma das páginas dos documentos de uma bolsa e a depositando sobre a mesa, lentamente.

Os olhos do velho pousaram sobre o documento e correram por ele com velocidade espantosa. Comprimia-os mais e mais, conforme desciam pelas linhas. A sua postura intimidadora, foi aos poucos suprimida por um sentimento de nervosismo e empolgação. Os detalhes que recebia daqueles documento, garantiam a ele uma vantagem impressionante, além de permitir que ele pudesse eliminar registros dos seus próprios negócios ilícitos, mas percebeu que estava incompleto. O idoso levantou os olhos, escrutinando o rapaz, mais uma vez.

- Eu tenho mais comigo. No entanto, você precisará fazer algo por mim, antes de receber as páginas restantes. Será algo simples. Eu quero detalhes sobre os mouros Faheem Al-Naviq em Lyon e Salazar El-Afzal em Portugal. - O rapaz lançou sua proposta.

O velho levantou-se e ponderou, diante de uma belíssima reprodução da constante imagem da Anunciação. O bela pintura já apresentava, ainda rusticamente, os belos detalhes da perspectiva, mas ainda carregavam a forte rigidez aristotélica. Um retrato da transição, que os espíritos italianos representavam naquele mundo de Reis e Santos.

- Quanto a Salazar, não hesito em descartá-lo, mas Faheem é muito útil para nós. É favorável aos nossos negócios, ajudando a nos obter produtos mais baratos, enquanto o pretenso sucessor dele, Yousuf, é muito mais favorável a negociar diretamente com os franceses. - ele lançou um olhar, revelando sua vontade. - No entanto, há um outro homem nesta associação, chamado Irfaan, talvez com Yousuf fora do caminho, ele possa substituir Faheem, até mesmo melhor.

- Me entregue Faheem e eu cuidarei que o resultado seja favorável aos Gadagni.
- O rapaz se levantou - Esta página fica com você, como um adiantamento, no entanto, quero as informações imediatamente.

O velho apesar de desconfiado, aceitou. Tinha um débito com os Montevani e nada a perder com aquela transação. Os detalhes foram acertados e Leonardo se retirou da maison dos Gadagni com as informações que queria, um objetivo em mente e sua adaga cinzelada presa na cintura.

Iria honrar a memória de seu primo Anton.

Caminhou pelas ruas de Dijón, notando que faltava pouco para o pôr do sol e para o fim do dia. Caso a noite caísse, perdia a estreita janela de oportunidade que possuía. Era provável que os principais contatos de Hettinger não houvessem sido avisados ainda da presença deles em Lyon e mesmo que soubessem, deviam buscar um grupo em fuga. De forma alguma, poderiam prever o que aconteceria.

Leonardo percebeu que estava sendo seguido. Provavelmente um mandado dos Gadagni, para averiguar seus esconderijo. Ele, no entanto, não se preocupou. Preferia que o velho Simon soubesse logo que o trato fora resolvido. Manteve um passo tranquilo, até chegar no quai de Saint-Antoine, onde pretensamente Faheem deveria estar coordenando a distribuição de diversas mercadorias para o interior da cidade. A proximidade do inverno, aumentava os preços e a necessidade por especiarias aumentava, devido ao longo período que seria necessário estocar os alimentos. Cidades como Lyon, não podiam dar-se ao luxo de serem consumidas pela fome. O planejamento antecipado era uma necessidade e era tratado com seriedade. Por conta disso, muitos mouros, utilizavam de seus avançados conhecimentos e familiaridade com a matemática, para conseguir trabalhos e contatos com as companhias mercantes que negociavam com Alexandria.

O ancoradouro estava repleto de comerciantes e estivadores que carregavam os produtos para dentro e para fora das naves aportadas no Saône. Trabalhavam intensamente, buscando encerrar os trabalhos antes que o sol se pusesse e obrigasse a maioria a retornar para casa. Um dos edifícios próximos ao ancoradouro, abrigava um dos escritórios de Faheem. Não foi díficil entrar, muitos homens entravam e saíam, pegando registros e notas que precisavam para concluir os negócios. Leonardo ajustou a adaga, garantindo que ela estaria bem escondida da vista de qualquer um e se colocou a esperar numa ante-sala. Havia um grupo de homens a frente dele para serem atendidos, impacientes, não reparavam no rapaz toscano. Ele se sentia nervoso, mas disfarçava, evitando se comprometer em sua linguagem corporal, como era muito comum de acontecer em situações como essa.

Um tumulto começou na ante-sala, aparentemente, um dos homens havia entrado antes de um comerciante importante que estava esperando a mais tempo. O bate-boca ficou intenso e o comerciante se retirou enraivecido. Aquela situação, havia deixado um dos guardas que fazia a revista, extremamente exasperado, já que ficou murmurando todas as respostas que gostaria de ter dado ao comerciante arrogante. Nesta distração, conversando com outros colegas, deixou de revistar Leonardo, que atravessou um cortinado de veludo, seguindo por um corredor até a sala que servia de escritório para Faheem e seus associados.

- Bienvenue, monsieur... - disse um homem ao recebê-lo com um sorriso simpático.

- Leonardo. - respondeu.

- Bem, monsieur, sou Yousuf e esses são Faheem e Irfaan, pode se sentar, por favor.
- o homem apresentou dois outros mouros, do outro lado de uma mesa. Irfaan estava sentado no parapeito da janela, parecia o mais jovem dos três. Faheem, era o mais velho, sentado, compenetrado no que escrevia, apenas acenou ao visitante.

- Não pretendo me sentar, senhor. Meu assunto aqui será bem breve. - ele caminhou a esmo na sala, indo lentamente para próximo da lareira e fitando as chamas. O fogo sempre lhe trazia lembranças...

- O sol está se pondo, Yousuf, peça aos guardas que não deixem mais ninguém entrar. O senhor, Leonardo será nosso último cliente hoje. - Faheem ordenou e Yousuf rapidamente executou a tarefa, gritando da porta. - Tenho que dizer que o senhor tem sorte, Leonardo. Um pouco depois e não nos encontraria aqui.

Leonardo sorriu. Sua raiva crescia, exponencialmente.

- Sorte na certa, monsieur - disse cavucando a lenha com o atiçador.

- Do que se trata, então, monsieur? - indagou Yousuf

- Dijón. Vocês souberam do que houve lá, alguns dias atrás?

- A que se refere, senhor? Muitas coisas acontecem naquela cidade - um certo nervosismo podia ser percebido na voz de Faheem, mas os outros dois, provavelmente desconheciam a verdade da indagação.

- O senhor tem negócios por lá? Sempre desejamos subir o Ródano, acredito que podemos sempre negociar. Tem algum barco na cidade? - Irfaan falou a primeira vez, com um certo entusiasmo contido.

- Acredito que monsieur Faheem sabe o porquê de eu estar aqui. Ele trabalha para Hettinger, o homem que mandou matar o meu primo
- Leonardo disse friamente. A raiva crescia dentro dele, consumindo suas ações. O fogo ardia menos do que o seu desejo de vingança.

- Monsieur, pode nos esclarecer de uma vez... - Yousuf se aproximou de Leonardo, como se quisesse ver o que intrigava o rapaz, na lareira.

Leonardo então se virou abruptamente, o atiçador em mãos acompanhou o rápido movimento e sua ponta em brasa acertou em cheio o rosto desatento do mouro Yousuf. O homem emitiu um grito, quando foi golpeado mais duas vezes, completamente desnorteado. O italiano então enfiou o atiçador através do peito dele. O mouro empalado, gritava como louco. Leonardo então o lançou no chão, com o atiçador ainda atravessado pelo corpo. Pegou uma das luxuosas cadeiras e travou a porta atrás dele. Para sua sorte, os guardas estavam distraídos colocando os comerciantes relutantes para fora.

Quando ele se virou, viu que Faheem corria para parede para pegar uma das espadas turcas presa na como decoração. Leonardo era duas vezes mais jovem e mais rápido, chegou ao homem, com a adaga em mãos, quando o mouro estava com os braços levantados e com o peito contra a parede. Tomou os cabelos do mouro, acertando a cabeça dele repetidas vezes contra a parede, até romper uma das tábuas. A esta altura, Faheem não conseguia mais resistir e apenas chorava e murmurava coisas sem sentido, enquanto o sangue escorria por sua cabeça.

- Isso é por Anton! - Leonardo gritou.

Acertou as costelas e as costas do homem com sua adaga florentina repetidas vezes, enquanto o homem caía desfalecido, apenas parou quando se assegurou que o homem havia cessado de respirar e o chão em volta deles, estivesse empapado de sangue. Do outro lado da sala, Irfaan estava comprimido contra a parede, gritando e chorando, implorando pelos guardas. Alguns dos guardas o ouviram e batiam na porta, perguntando o que estava acontecendo. O rapaz italiano sentiu um súbito nojo de todo o sangue que cobria o lugar. Olhou ao redor, viu que Yousuf ainda estava vivo, mas deitado, debilmente tentando tirar o atiçador do peito, enquanto se afogava no próprio sangue.

Leonardo se levantou, cambaleou até a mesa e embainhou a adaga. Sentia como se estivesse se libertando de um frenesi, como um feitiço que o tivesse tomado. Fitou Irfaaan, analisando a reação dele pelo que acabara de acontecer. O jovem italiano já havia visto tantas vezes aquela reação, a forma como alguns homens reagiam ao desastre, principalmente os mais jovens acostumados com o conforto.

- A verdade, é que o homem de sorte aqui é o senhor, monsieur Irfaan. Os Gadagni de Lyon mandam lembranças. - disse Leonardo, antes de evadir-se pela janela.

Estava em um dos andares mais baixo do edifício, o que não o impediu de machucar um dos braços quando se lançou da janela para cair numa carroça de grãos que estavam sendo descarregada na hora. Não olhou para trás, correu pelo ancoradouro, enquanto a penumbra da noite o cobria. Chamou demasiada atenção por todas as ruas, mas poucos quereriam pará-lo para averiguar, estavam ocupados demais. Roubos e demais ataques de violência, não eram tão raros naquele lugar. Leonardo conseguiu encontrar o esconderijo dos Torre e observou o olhar horrorizado de Raquel e Charlie, quando o viram entrar completamente ensaguentado.

Leonardo correu para se lavar de todo aquele sangue, que grudavam em sua pele, frio e seco como o ódio que sentira. Sentia repulsa de tudo aquilo e sentia repulsa de si mesmo. Matara brutalmente dois homens, sem que o tivessem ameaçado diretamente. Repassava a situação em sua mente, a recepção simpática de Yousuf e pouco depois, o homem que batalhava para respirar, sufocado com o próprio sangue. Repassava a forma como tão pateticamente, Faheem se entregara aos braços da morte e Irfaan, como uma criança, urinava nas calças, engasgado com o próprio choro. Lembrou-se do olhar de cumplicidade de Simon Gadagni.

Tudo aquilo fora necessário. Leonardo observara nos documentos, que a maior parte dos contatos de Hettinger na região de Il Delfinato, era realizado por intermédio de Faheem, muitas vezes pelo negócio de fachada que sustentava em Lyon. A notícia da morte de Faheem Al-Naviq se espalharia mais rápido do que a da presença dos Torre e Hettinger ficaria parcialmente neutralizado na região por um punhado de dias ou talvez semanas até que pudesse restabelecer a ordem que perdia com a desestruturação dos negócios escusos do mouro. Isso permitiria que Raquel, Leonardo e Charlie, chegassem até o Auvergne sem grandes problemas.

Leonardo sentiu-se cair em profundo ressentimento. Se Anton não tivesse morrido naquele ataque, as coisas estariam diferentes agora. Ele se sentia mal, por ter deixado o primo para trás, mas sabia que não podia ter feito nada. Odiava Hettinger, por ter sido capaz de derrotar o primo, que muitas vezes, ele julgava ser invencível e por ter feito pela segunda vez, o rapaz liberar o pior do que tinha dentro de si. Leonardo mais que nunca desejava que Anton estivesse ali.



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