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[RP privado] O Enigma da Borgonha

Sir_anton


Derrubado de seu cavalo e cercado por inimigos, Manfredo Godoy segurava sua espada, efetuava cortes em todas direções como um animal ferido em fúria. Alícia, Hugo e Clemente cavalgavam ao redor dele, suas lâminas estavam prontas para ceifar sua vida.

Ele sabia que havia pouca esperança para ele. Ele sabia que nada além de dor e sofrimento o esperavam, uma morte em combate era o melhor que ele conseguiria. Ele pensou em se lançar para os braços da morte contra algum dos que o cercavam mas seu corpo inteiro paralisou ao ver seu algoz se aproximando.

Anton cavalgava calmamente, não exigia esforço do cavalo, cavalgava como se já fosse vencedor, ele fez o cavalo parar há alguns metros de Godoy enquanto o fitava com os olhos.

- E então Anton? Uma última luta? Eu, você, nossas espadas!

Anton permaneceu em perfeito silêncio enquanto tirava de um suporte na sela do cavalo um Arcabuz de Firenze que tinha salvado e atirava na perna de Manfredo.

Manfredo gemeu de dor e caiu no chão incapaz de sustentar seu corpo, Torre desmontava do cavalo e caminhava calmamente até o traídor enquanto recarregava a arma.

Manfredo até tentou pegar sua espada novamente, mas Anton a chutou para longe. E só então o respondeu:

- Vocês mataram minha irmã. Vocês não terão nem mesmo o direito de se defenderem.

- Eu não tive nada a ver com...- Godoy não pode terminar, um chute na boca realizado por Anton o "convenceu" a se calar.[/b]

- Eu não tenho mais paciência para isso. Sem desculpas, sem justificativas. Você me traiu, você vai morrer. Fim. Agora, você pode morrer rápidamente, agora mesmo, como um tiro na cabeça. Ou eu posso me divertir com você por semanas. Talvez meses.

- Eu não trabalho para Hettinger. Jamais me uniria aos malditos cataristas. Isso eu juro. Mas você... Você não é melhor do que eles Anton. Você e seus amigos hereges. Vocês são uma ameaça a sagrada fé tão repulsiva quanto os cataristas!

- Apenas me conte sobre aquela noite.-Anton parecia incapaz de ser afetado por algo agora.

- Você é uma criança brincando de guerra Anton. Isso é tudo que você é. Você jamais derrotaria Melendorf. Eu sabia que se quisesse seguir no jogo. Se quisesse manter minha vantagem, precisava estar com o vencedor. Então eu fui até o escritório de Hans Hutten e ofereci tudo que eu sabia sobre você em troca de uma nova amizade.

- E ouro.

- Sim... Os floríns. Seus homens são mercenários, não foi dificil convence-los a mudar de lado. Quando Melendorf atacou a sua casa, a maioria dos soldados estavam comprados.

- Adolf von Hettinger.

- O que?

- Eu sabia que o nome era familiar a mim. Só não lembrava de onde. Adolf von Hettinger morreu há mais de trezentos anos. E você disse que foi ele que matou meu pai. Quer falar sobre isso?

- Você nunca resolveu esse assunto. Eu lhe dei um nome para que você pudesse culpar. A verdade é que não sei nada sobre a morte de Artur. Eu não estava lá no dia. E sim, Hettinger está morto. Agora, quem é o Hettinger que tem causado tantos problemas. Quem sabe? Nem mesmo a igreja aristotélica sabe qual a verdadeira identidade dele. Isto se for uma pessoa. Nunca se sabe.

- Uma última coisa.

- O que?

- Se não é para os cataristas... Para quem você trabalha?

- Eu sou um aristotélico. Um aristotélico de verdade. Eu trabalho para o senhor. Eu sou um Soldado da Fé. Isso é tudo.

Anton apontou o arcabuz para a cabeça de Godoy. Este, por um momento teve paz. Acreditou que sua vida tinha chegado ao fim, ali, rápido e cirurgico como um tiro a menos de um palmo da sua cabeça. Uma morte rápida e simples. Mas essa ilusão não durou muito. Ver Anton dando as costas para ele e saindo foi aterrorizador.

- Amarrem ele a um dos cavalos.-Anton ordenava aos outros e as palavras já faziam Godoy esperar pelo próprio inferno.

Ainda tentando lutar enquanto Clemente e Hugo o agarravam e o prendiam com uma corda a um dos cavalos Manfredo gritava.

- Mas você me prometeu que me daria uma morte rápida se eu te contasse o que queria!

Anton sem nem mesmo olhou para Manfredo:

- Ser traído é bem irritante não é?

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Raquel_


Leonardo fechou a porta do quarto, após entrar na residência coberto de manchas de sangue. Raquel ficou muito apreensiva, pensando no que poderia ter ocorrido, pois ele entrara sem dizer uma palavra. Resolveu bater na porta e chamar por Leonardo, insistiu várias vezes mas não foi atendida, até que Charlie pousou a mão em seu ombro e disse:

- Dama Raquel, deixe que o rapaz se recupere. Haverá tempo para sabermos sobre o que aconteceu.

Raquel consentiu com a cabeça, voltando para a sala e avistar na mesa os documentos espalhados. Folheou algumas páginas, tentando encontrar um sentido para aqueles movimentos do Hettinger. Agora também não sabia do paradeiro do seu irmão, e sentia por isso uma parcela de remorso, por Anton ter ficado à mercê do grupo que estava a massacrar no monastério. A impressão era de que deixou seu irmão entregue à morte.

Ela havia sentado defronte aos documentos, e cobriu o rosto com as duas mãos. pensando sobre tudo que ocorrera até aquele momento durante a viagem. Sentia uma solidão aguda, que o mundo desabava sobre os seus ombros, e que haveria de resolver sozinha, agora sem a presença de Anton, e que talvez seu corpo tivesse sido violado após sua morte, sem chances de ser recuperado. Havia uma caneca em cima da mesa, e pegou a caneca e jogou contra a parede com força, com intuito de descarregar sua raiva. Depois levantou-se da mesa, e se preparou para dormir.

No dia seguinte, Raquel saiu em direção ao banco de Lyon acompanhada de Charlie. Andava com uma pequena bolsa a tiracolo e com seus punhais escondidos no vestido. Havia uma intensa movimentação nas ruas, e Raquel pôde se misturar entre as pessoas com aparente tranquilidade. Avistou a entrada do banco, e entrou no edifício, indo em direção ao responsável que mantinha a guarda dos bens do seu pai. Fora atendida, e tirou da bolsa alguns documentos que comprovavam ser herdeira, os mesmos que Charlie pegara na casa dos Bertrand. O responsável olhou os documentos, e ouvira o pedido de Raquel para retirar uma quantia que estava guardada. O atendente pediu alguns minutos para verificar a possibilidade de tirar a quantia, e que retornaria em seguida.

Passaram longos minutos, e Raquel começou a ficar impaciente. Charlie a tranquilizava, mas parecia que nada adiantava. Raquel começou a observar a movimentação do banco, e a pensar no que fazer se não conseguisse a retirada do que precisava. O atendente retornou, explicando que a quantia seria retirada e que deveria assinar comprovando que esteve ali para adquirir a quantia desejada. Raquel consentiu, e demorou mais algum tempo para que procedesse o pedido. Depois a quantia fora entregue para Raquel, colocando na bolsa envolto em um pano para não fazer ruídos enquanto caminhava, e outra parte com Charlie. Agradeceu o funcionário, e partiu com Charlie a pé rumo à residência.

Raquel tinha preferido não pagar um coche, para não chamar atenção na entrada do banco. Optou por ir a pé, mas logo viu que precisava tomar uma atitude, pois enquanto caminhava, Charlie avisou que os dois estavam sendo seguidos por um homem. Raquel desviou do caminho, indo em direção aos bairros mais distantes do centro de Lyon, a percorrer as ruas. Tinha uma boa estrutura física para aguentar longas caminhadas com vestidos que possuíam muitos tecidos. Charlie, por causa da idade, já não conseguia mais acompanhar o ritmo de Raquel, deixando-a praticamente sozinha. Raquel avisou a Charlie que não precisava acompanhá-la mais, e assim Charlie seguiu o caminho de volta para a residência.

O homem continuava seguindo Raquel, então ela escolheu ir por ruas com casas bem simples, miseráveis sentados pelas ruas, crianças brincando pelas ruas e o odor fétido impregnando nas narinas. Virou em uma rua, e viu que uma das portas estava aberta, e entrou na casa, à espreita do perseguidor. Desembainhou um dos punhais e uma criança estava dentro da casa, sentada no chão, observando-a. Raquel fez um gesto para que a criança ficasse em silêncio, e deu um sorriso como retribuição. O homem avançou mais alguns passos após a entrada da casa, e parou para tentar localizar o paradeiro de Raquel.

O algoz pareceu perdido, e olhava para as saídas que poderia escolher. Sorrateiramente, Raquel do seu esconderijo e com uma das mãos segurou pelo pescoço, deixando os braços do perseguidor livres, alcançando-a. Rapidamente Raquel apunhalou pelas costas, e o algoz reagiu à dor, soltando-a e comprimindo todos os músculos de dor, tornando mais fácil o último golpe que Raquel desferiria: um preciso corte no pescoço, fazendo com que o homem ajoelhasse e depois caísse na sua frente. Suas mãos estavam sujas com sangue do último golpe desferido, e pacientemente retirou um lenço de sua bolsa e começou a limpar suas mãos.

A criança havia alcançado a soleira da porta, e Raquel notou enquanto limpava suas mãos que ela olhava atentamente à cena. Ela fez novamente um gesto de silêncio, guardou o lenço após se limpar e voltou pelo mesmo caminho que havia feito, largando o algoz no meio da rua, banhado por uma pequena poça de sangue.
Sir_anton


Manfredo Godoy começou seu dia sendo "gentilmente" transportado. Amarrado a um cavalo, ele foi arrastado de Nevers até uma estrada afastada da cidade. Ao chegar ao seu destino, foi levantado e jogado em uma poça de lama. Os últimos três dias haviam sido divertidos. Três dias sem água ou comida, sendo tratado como um cão vira-lata indesejado por seus captores.

Godoy com dificuldade tentava levantar da lama.

- Não se levante. Ai é seu lugar!

Anton estava lá, em pé, observando a deplorável situação de Godoy. Contemplando a ruína daquele homem.

- Está com fome?-Anton segurava um pedaço de pão em suas mãos, que tranquilamente rasgava pedaços e comia.- Comprei logo depois de o padeiro assar. Este pão está ótimo.

- O que você quer Anton? Ainda não acabou?

Anton se abaixou e olhou nos olhos de Manfredo:

- Só acaba quando eu disser que acabou.

Anton se levantou e voltou a comer.

- Você nos vendeu para Hettinger. Mas, nós já superamos essa parte, certo? Mas...Tem uma coisa. Como você entrou em contato com ele?

- O...O que?!

- Como você se comunicou com ele? Veja: Eu quero entrar em contato com ele. E você quer comer. Por quê não pulamos a parte da negação?

Manfredo era um soldado durão. Mas o tratamento especial Torre podia quebrar qualquer um.

- Drexler. Eu não falei com Hettinger, nem com Melendorf. Apenas com um subordinado chamado Drexler.

- Como?

- Cartas. Só nos falavámos por cartas. Eu enviava uma carta para a Casa do Povo de Dijón. Ele recebia ela e depois me respondia.

- Ótimo. Eu escrevi uma cartinha adorável para Melendorf, ou no caso, Drexler. Só falta a assinatura de um companheiro deles.

Clemente entregou a carta e uma pena para Godoy, ele nem se deu ao trabalho de ler, sabia que Anton seria convincente se passando por ele na carta. Ele simplesmente pegou a pena e assinou como sempre que escrevia para Drexler. A luta dentro de si já havia morrido.

Anton ficou satisfeito com aquilo. Como recompensa largou o que sobrou do pão na lama diante Godoy:

- Faça um banquete.


Clermont não era uma cidade marcante. Não para Anton. Mais uma cidade qualquer no caminho para Dijón, mas Clermont estava prestes a se tornar o palco do retorno de Anton para a vida de Melendorf, de Hettinger e de quem mais estivesse celebrando sua morte.

Anton não ia caçar seus inimigos. Não agora. Agora ele ia pesca-los. O grupo de Torre chegou a Clermont dias antes de Draxler. E teve tempo de se preparar. E desta vez, Draxler viria pessoalmente, a isca era valiosa demais.

Anton escolheu uma taverna, uma taverna abandonada na verdade. Mas Drexler não precisava saber disto. Uma limpeza geral e alguns movéis novos "adquiridos" de forma não bem vista pelos olhos da lei foram o suficiente para revitalizar a taverna.

Apenas duas portas: Uma para os fundos e uma de entrada. Hugo e Alice esperariam cada um perto de uma.

O taverneiro era ninguém menos que Clemente Mascarenhas Trujilo. Pronto para a ação. O porão da taverna e o segundo andar estavam cheios de óleo. E haviam barris do mesmo distribuído pelo primeiro andar. Alguns vagabundos da cidade pagos com um punhado de moedas foram o suficiente para completar a decoração.

E no meio da teia de Anton, a isca, elegante, alimentada e silenciosa. Manfredo Godoy ocupava uma mesa no centro da taverna. Não distante dele, Anton aguardava escorando em um pilar e se "escondendo" atrás do chapéu. Seus olhos estavam fixos na porto.

E lá estava ele, à procura do prêmio que lhe havia sido prometido na carta. Os documentos tão ferozmente protegidos por Jean LeMahieu. Benedikt Leonhard Drexler entrava na taverna, acompanhado por 3 homens armados com espada. Estes netravam com ele, mas outros 8 já estavam lá desde antes. Haviam chegado separados em grupos de 2 ou 3 homens e com intervalos de tempo variados entre suas chegadas e não usavam nenhum tipo de indentificação. Mas Anton sabia que eram homens de Melendorf. Só um recém chegado em Clermont entraria tranquilamente naquela taverna, que estava entregue aos insetos e fantasmas há dois dias.

Drexler se aproximou ao ver Godoy e sentou na mesma mesa que ele. Sozinho, deixando seus homens para trás.

- Godoy. É sempre um prazer vê-lo.

- Drexler. Digo o mesmo. Sabe, ouvi dizer que servem um otimo carneiro assado aqui.

- Comemos depois. Primeiro, aos negócios. Você realmente tem os documentos?

- Você viria se acha-se que ele não têm?- Anton se aproximou e sentou na mesma mesa que os outros.- Acho que ainda não fomos apresentados. Drexler, não é?

- E quem diabos é você?

- Anton Torre-Anton segurava sua adaga por baixo da mesa, e emparelhou a ponta dela com o abdômen de Drexler - E você vai ficar quietinho. O taverneiro? Os "bêbados"? Todos meus. Seus homens nunca chegaram a tempo. Então, sem movimentos bruscos.

Anton viu a porta da entrada sendo fechada. Hugo havia a barrado por fora, "acidentamente" Clemente virou um barril aberto cheio de óleo que logo escorreu pelo chão da taverna.

- Sua irmã está morta. Seus soldados estão mortos. Seus aliados estão mortos. Você está acabado. Não te resta mais nada. Qual seu objetivo Torre?

Anton encarou Drexler por alguns segundos. Ele mais do que nunca na sua vida sabia qual era a resposta para aquela pergunta.
- Caos!

Anton cravou a lâmina inteira da faca dentro de Drexler. Seus homens ao perceberem pensaram em ir ajuda-lo mas Clemente jogou uma tocha sobre o óleo e logo o fogo se espalhou pela taverna.

Anton e Clemente correram para porta dos fundos, onde Hugo e Alícia os aguardavam. Godoy também correu, mas quando chegou a porta foi parado pela ameaçadora espada de Alícia.

- Agora acabou Manfredo!-Anton dizia enquanto fechava a porta- Aproveite sua amostra grátis do inferno!

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Leonardodavinci


Leonardo arrumava as coisas que precisava para a viagem no dia seguinte. Estava compenetrado em organizar os suprimentos que necessitariam até Clermont. Charlie e Raquel haviam se retirado e ele não dirigira a palavra a nenhum dos dois desde o incidente no dia anterior e foi só quando a penumbra da noite começava a tomar o céu, foi que Raquel chegou, alguns minutos após Charlie.

Ela estava vestida elegantemente quando ele a encontrou no escritório. Os cabelos castanhos serenamente caídos entorno da cabeça. Era uma bela visão, delicada e forte como uma rocha, os movimentos calmos e carregados de energia, ao mesmo tempo, real, mas quase etérea. Leonardo passara os últimos dias ao lado dela, fugindo, consolando-a frente ao desastre que os acometera, sempre concentrado no próximo passo que dariam para escapar, mas naquele momento ele se deixou levar por aquela sensualidade que ela emanava e por todas as características que o faziam amá-la. Para ele, era um deslize pequeno, mas que o confortara. O desastre que atingira os Torre, não o havia privado da doçura daquele sentimento. Ele não esperava nada dela, nenhuma reação de correspondência, mas se confortou de saber que o ódio ainda não o destruira por completo.

Raquel se voltou para ele e com um olhar de censura, quebrou o encanto que havia sobre ele, em sua demanda por explicações. Leonardo tomou a palavra.

- Tenho que pedir desculpas pela minha atitude ontem. Tive de fazer algo que não me foi agradável e precisei me lavar daquele sangue sozinho. Eu não tenho muito talento para a violência... - Leonardo se aproximou dela e notou sobre o vestido, uma pequenina mancha escarlate. Olhou nos olhos dela, calmos, expectantes e sorriu - Bem, não o mesmo talento que você e seu irmão.

A menção de Anton fora um erro, ele notara. Raquel se resignou, olhando para o lado, desviando do assunto. Leonardo então continuou falando, em tom sério, querendo esquecer as últimas palavras.

- Ontem eu eliminei dois contatos importantes de Hettinger em Lyon. Soldados, informantes, chantagem, influência política, sabe, tudo isso custa muito dinheiro. Muito dinheiro mesmo. Por conta disso, além da vontade, Hettinger tem algo mais, que é o controle econômico.
- Tomou ar, assumia ares de palestrante, o que não gostava, mas achou necessário compartilhar o que entendia da situação - O atentado em Dijón foi muito peculiar. Um evento cujo único resultado era o caos absoluto. Ele se apropria do maior motivo da prosperidade da cidade e em toda a França e o utiliza como sustentação para um processo de destruir o próprio reino. De dentro, pra fora. O meu ataque ontem, o fará perder parcialmente o controle aqui nesta região. Pelo menos por alguns dias, o suficiente para que possamos viajar até Clermont, ou talvez até mesmo após. Conforme a notícia do que aconteceu se espalhar, ele terá menos agentes a disposição dele.

Leonardo contou em detalhes para Raquel acerca do encontro dele com o Gadagni e com os mouros. Após conversarem um pouco, acerca de um possível passo que poderiam tomar em seguida, ele se retirou e na manhã seguinte, partiram em viagem. Alguns dias após passaram pelos vales e cidades de Grézieux-le-Fromental, Montbrisson, Sauvain, Vollore-Montagne e Thiers, buscando a cidade de Clermont, uma cidade média, no meio do Auvergne onde os Torre detinham um ponto em que poderiam permanecer em segurança. A qualquer viajante que chegasse a cidade, rapidamente tinha seu olhar capturado para o gigantesco Puy-de-Dôme que se erguia opulento a poucas milhas da cidade. Clermont era uma das mais antigas cidades da França, fundada próximo aquele gigantesco vulcão, era um ponto estratégico em todo o Auvergne, prestigiada pela Igreja e pela Nobreza, embora não fosse muito grande, mostrava a oposição dessas duas forças na sociedade, devido a presença da grande Montferrand, diante dela. As duas cidades, pareciam crescer naquele gigantesco vale, em oposição e complemento. Uma das interessantes contradições da sociedade, que naqueles tempos de comércio, as cidades se tornavam cada vez mais interdependentes, apesar de seus propósitos tão opostos.

Leonardo sabia que Hettinger já estava lá, mas não poderia imaginar, quantas surpresas a cidade guardava para ele e para sua prima. Eles estavam em território hostil, cercados pelo inimigo, cansados e fragilizados, mas ainda podiam ferir seu algoz e assim teriam que fazer, para continuar sua fuga, para fora da França.

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Raquel_


A entrada na cidade de Clermont para Raquel fora particularmente difícil. Os dias se passaram de cidade em cidade, tentando fugir de uma ameaça real que provavelmente abatera seu irmão mais velho, e vinha tentando manter-se forte durante o caminho, mas naquela altura não aguentava mais. Debulhava-se em lágrimas enquanto Charlie guiava a carroça pela cidade, e Leonardo tentava desajeitadamente confortá-la de alguma maneira.

A tentativa foi em vão. Raquel não desejava ser confortada, desejava a morte de todos os inimigos que encontrasse pela frente, e isso era um componente perigoso, pois poderia perder o controle da situação e ser descoberta em sua fuga. A raiva aumentou quando se deu conta que não poderia descontrolar-se, a ponto de implodir sua resistência frente às tragédias que a consumiam.

Cansada de chorar, por fim aquietou-se, observando o movimento da cidade. Pediu para Charlie parar perto de uma feira que ocorria próxima à catedral, para se dar ao luxo de comprar pães doces, mesmo arriscando sua vida estando exposta em um meio fácil de ser localizada. No fundo, não se importava mais. Leonardo ficou mais apreensivo, acompanhando Raquel em sua pequena aventura arriscada. Ela desceu da carroça e foi em direção a uma senhora, que vendia pães doces expostos na feira. Após escolher dois que estavam com melhores aspectos e pagar o que era devido, ouviu uma voz feminina chamando pelo seu nome. Com a feição arrasada, e esperando pelo pior, virou a cabeça para atender o chamado...

... Era Alícia, com um olhar incrédulo.

As duas permaneceram por uns instantes sem reação frente à surpresa em que se encontravam. Alícia quebrou o silêncio, abraçando Raquel.

- Minha nossa, você está viva Raquel!


- Mas como....estou viva?

- Pensávamos que estivestes morta quando houve o incêndio na sua casa.


Raquel demorava para sair da letargia em que se encontrava - Não, estivemos lá depois do incêndio, fomos para sua casa fazer os preparativos para a.... viagem até aqui. Não soubeste?

- Não tivemos tempo de saber, tudo aconteceu muito rápido.


- Hm, entendo.
- Sem esperanças, perguntou o óbvio - Onde meu irmão foi enterrado?

- Ele não foi enterrado, ele está vivo, está conosco.

- Em Clermont?

- Sim, Raquel! Ele pensa que você morreu!

Raquel por um momento achou que iria desfalecer. Com aparente calma, segurou o braço de Leonardo para apoiar-se. Olhou para Leonardo, lacrimejando angustiosamente, e depois olhou para Alícia.

- Onde ele está? Onde vocês estão? Por favor, leve-nos até ele....Charlie está aqui perto, iremos juntos.

- Agora mesmo iremos, não podemos mais conviver com essa falsa história. Vamos!
Sir_anton


Baptiste Bertillon estava tendo um dia realmente horrível.

O jovem e ascendendente comerciante francês tinha visto sua vida virar de cabeça para baixo desde a noite passada. Logo agora, que Hans Hutten estava ampliando o investimento em sua companhia comercial. Logo agora que ele ia ficar muito rico.

O jovem francês tinha saído para jogar cartas e beber, sem nenhum tipo de preocupação junto com seu sócio Ernest Beauchamp. Era sua última memória boa.

- O que ele vai fazer conosco Ernest! Que Inferno! Como isso foi acontecer?!

- Cale a boca Baptiste! Acho que ele está voltando.

- Nós temos que sair daqui! Você consegue se desamarrar?

Os dois homens sentados em cadeiras um de costas para o outro, amarrados e assustados se calaram quando seu algoz entrou. Vestido com a mesma roupa negra com que os sequestrará na noite anterior, usando uma bengala para se apoiar e com um olhar que fez um terrível frio subir pela espinha de ambos. Aquele era Anton.

-Bonjour, messieurs. Estão confortáveis?

Os dois permaneceram em silêncio, talvez tivessem pensado em uma resposta mas as palavras foram incapazes de sair pela boca.

- Espero que não sejam sempre tímidos assim. Temos muito o que conversar. Vamos começar com as generosas doações de Hans Hutten para sua companhia. Alguém quer falar sobre?- Os prisioneiros mantinham o absoluto silêncio, talvez o medo que sentiam de Anton não era ainda tão grande quanto o que sentiam de Melendorf.- Certo acho que não me fiz entender... Quem é o dono da companhia?

Ninguém respondeu. Anton já estava ficando chateado.

- Ah sim, ótimo. Então eu tenho dois refém calados.!- Anton se aproximou de Beauchamp e pôs a mão em sua cabeça o fazendo virar o rosto para cima.- Ernest! Você sabe qual a melhor parte de ter dois reféns?-Anton se aproximou e falou quase em um sussurro - É que você só precisa de um.- Anton puxou o punhal que ficava escondido na bengala. A empunhadora da bengala logo era a empunhadora do punhal e o que sobrava era como uma "bainha de madeira". O fato é: Ernest Beauchamp estava morto e Anton se dirigia agora para Baptiste Bertillon.

- Então... Você vai falar comigo?

- Eu vou! Eu vou! Tudo que você quiser!

Anton seguiu sua conversa com Bertillon, em certa altura foram providenciados papel, tinta e pena para ele escrever.
Enquanto Bertillon como uma escriba obediente anotava tudo o que Anton pedia, Torre não imaginava que sua irmã havia entrado em seu esconderijo. Ele não fazia idéia de que a próxima vez que olha-se pela porta veria seu rosto.

- [...] E eu quero também uma...- Anton teve de pausar sua ordem. Ele não podia acreditar no que seus olhos viam em sua frente. -Raquel?!

Baptiste ficou bastante confuso naquele momento.

- Uma Raquel, senhor? Não tenho certeza se entendi.

Baptiste foi sublimente ignorado. Anton mancou o mais rápido que pode até a irmã.

- Anton! Eu...-Raquel não pode falar o que queria. Foi contida pelo abraço que Anton lhe deu assim que a viu.

- Você está bem? Como? E... Quando? E...Ah pouco importa! Tudo que importa agora é que você está aqui. Você está aqui, certo? De verdade? Isso realmente está acontecendo? Você...você sobreviveu? Você está aqui? Ou eu finalmente enlouqueci?! Você...eu...eu pensei que você tinha...Não! Eu não quero nem falar isso novamente! Você está aqui! Isto é real! E é tudo que importa!- Anton naquele momento sentiu algo que não sentia há anos. Ele sentiu seus olhos se inundarem e ficarem marejados. Ele se contia, mas naquele momento, mesmo após tudo que ele tinha visto. Anton poderia ter chorado.

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Raquel_


Raquel não se conteve e retribuiu o abraço do irmão. Não sabia ao certo como Anton tinha reagido com a falsa notícia, mas ao vê-lo naquele estado de transtorno buscando uma resposta sobre sua presença, ficou aliviada por estar ali e ajudar a solucionar algo que estava aparentemente tão mal resolvido. Novamente os olhos marejaram, ao ver Anton segurando o choro. Afagou os cabelos do irmão e deu um prolongado beijo em seu rosto.

Após o impacto do reencontro, ela percebeu que havia um morto no local e um preso que estava a observar a cena, já que Anton não teve cerimônias ao reagir na frente dele. Ela encarou o preso que estava vivo, e o preso encarou de volta com feição sarcástica. Ela franziu a testa semicerrando o olhar e quis reagir de imediato a insolência, mas algo lhe passou pela cabeça antes de agir sem pensar.

- Anton, meu querido irmão... como agora sabes que estou viva e não há possibilidade de ser um anjo enviado por um Jah que não existe e que estamos juntos novamente... - Raquel abre o sorriso para Anton - ... você pode me dizer porque este miserável está me encarando sarcasticamente?

Anton se vira para o preso, e o mesmo já havia alterado sua feição, desta vez olhava Anton com temor.
Sir_anton


Anton se virou para Baptiste e quando se virou, se tornou em outro homem. A expressão emocionada e acolhedora dedicada a irmã havia sumido do seu rosto e dava lugar a uma expressão sombria, séria e intimidadora.

- Você ouviu a pergunta. Irá respondê-la?

Como muitas pessoas em um momento que deveriam pensar rápido, Baptiste congelou. Ele não sabia o que dizer, tudo que passava pela sua cabeça era que se as palavras erradas saíssem de sua boca ele seria morto.
Torre observou a situação em que Bertillon estava e decidiu deixa-lo respirar aliviado, dessa vez.

- Tenho certeza que o Baptiste não fez por mal minha doce irmã. E também sei que ele adoraria se desculpar, não é Baptiste?

- Sim,sim!-Baptiste se jogou aos pés de Raquel com lágrimas já saindo de seu olhos - Minhas mais sinceras desculpas! Me perdoe, por favor! Não desejava ofende-la!

Anton assistiu com decepção aquele homem se humilhando por puro medo da morte. Como poderiam haver pessoas com tão pouca dignidade? Não importava. Baptiste não estava ali para aprender, ele era apenas um meio para um fim.

- Recomponha-se Bertillon! Tem uma última coisa que preciso de você. Eu quero uma reunião com Hans Hutten.

Baptiste se levantou de olhos arregalados e um frio na espinha.

- Eu...Eu não tenho como fazer isto.

- Eu sei como falar com ele, eu apenas preciso que você escreva uma carta para ele falando que você sabe quem está por trás da morte de Godoy, Drexler e dos recentes ataques a todos os seus associados. Mas você está com medo demais para ir falar com ele e tem medo de apontar o culpado por carta. Entendeu?-Baptiste assustado balançou a cabeça afirmativamente -Ótimo! Comece a escrever.

Anton saiu da sala acompanhado pela irmã, fechou a porta deixando Baptiste sozinho, ele notou o perturbador olhar da irmã sobre ele.

- O que foi?

- O que você está planejando, Anton?

- Apenas trazer Melendorf para minha aconchegante e agradável zona da morte.-Anton sorria enquanto falava, ele sorria pela primeira vez em muito tempo. Ter sua irmã de volta somado a idéia de que a vingança ia ser sua lhe dava uma grande paz de espiríto.

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Leonardodavinci


Alcobaça, 1462

- Batten down the hatches! - gritou um marujo afoito.

Um homem, com anel dourado e uma bela jaqueta negra, no convés, olhava com tranquilidade para o horizonte. As nuvens negras tomavam corpo sobre a nave flutuante, elas vociferavam avisos. Em seus pensamentos, o homem repassava seus pensamentos e calculava os presságios, os desastres sempre se anunciam, disso ele sabia, é a natureza e seu modus operandi macabro. As nuvens, se espalhavam pelo céu, como um véu, tampando o sol, matando prematuramente a luz do dia.

Ele passou o polegar sobre o símbolo cinzelado no anel. Seu afilhado se aproximou, o rapaz era muito jovem para entender, mas um dia os presságios seriam visíveis pra ele. É tudo uma questão de tempo, quanto mais tempo você gasta, mais lentamente ele passa. Ele cobriu uma tosse com um lenço de seda e o guardou no bolso. O jovem de olhos castanhos, o observava interrogativo. O rapaz era amargo demais.

- Você deveria entrar, Leonardo. - sugeriu o homem ao afilhado. Essa era a característica básica dele. Ele não precisava ordenar nada, as pessoas o seguiam, havia algo no rosto dele, uma seriedade que todos percebiam e de alguma forma os convencia. O rapaz era uma exceção.

- Não sei o porquê de você apreciar tanto a chuva.

- É de todos, o mais óbvio dos presságios. - esclareceu o homem - Os homens confundem o óbvio com o banal, mas isso nem sempre pode ser feito com completa justiça para com o verdadeiro significado dos fenômenos.

- O homem confunde com banal, tudo que lhe é comum. Não é exclusividade das nuvens e da chuva.
- sentenciou o rapaz.

- As coisas comuns demandam mais atenção, de fato, do que as extraordinárias.
- ele apontou o dedo para os marujos que trabalhavam preparando o navio para a tempestade. O anel de ouro reluziu - Observe aqueles homens. O que você vê?

- Um bando de marujos nojentos, trabalhando. Onde está meu erro? O que eu não estou vendo? - O rapaz indagou, preguiçosamente. Se escorou na amurada para resistir ao balanço do navio que ficava mais forte, conforme o vento aumentava de intensidade.

- Você está correto, mas não foi esse meu ponto. Falávamos de presságios. Levando isso em conta, o que você vê? - indagou novamente o homem.

- O trabalho dos marujos é um presságio para a chuva. -
respondeu o rapaz, sob os olhos atentos de seu padrinho.

O homem sorriu.

- O trabalho deles é a reação a chuva. Consequência dela. Mas há algo ainda mais óbvio que isso. Uma consequência muito mais direta da ação deles. - incitou o homem, quase como se fosse dizer a resposta em seguida.

- Tudo que consigo pensar, é que a ação de um homem é consequência direta da ação anterior. Logo os movimentos que realizam, ocasionam o movimento seguinte.

- Exatamente. Nisso se baseiam todos os jogos e todas as relações que envolvam mais de um elemento natural. Os homens baseiam suas ações, nas ações anteriores de seus companheiros ou em suas próprias. Nesse sentido, pulam de uma ação a outra. - sentenciou Bartolomeu.

-Entendo, mas o que quer me mostrar? Não entendo, esse aspecto é óbvio demais.
- Leonardo percebeu imediatamente que seguia inconscientemente a armadilha de argumentos de seu padrinho.

Um novo sorriso surgiu no rosto do padrinho.

- Você quer saber o porquê de eu gostar da chuva e do óbvio e vou te explicar. Irei me estender um pouco - ele tirou o lenço e tossiu novamente. Uma tosse seca. - As coisas óbvias revelam aspectos profundos da vida, exatamente, porque estão presentes a todo o momento, são perceptíveis, fáceis de se identificar e por serem tão onipresentes na existência, não são levadas em conta, como método principal de se entender a realidade. Dito isso, retornarei então aos presságios e consequências.

- Prossiga, amigo.

- Uma ação é sempre presságio de outra, mas os homens tomam suas atitudes baseadas nos presságios, logo naquilo que observam, conexionam e encontram como padrão aceitável para o movimento seguinte. Pensando dessa maneira, quando você observa aqueles marujos, correndo para realizar seu trabalho antes que a chuva os pegue, você não os vê exatamente agora, mas vê os presságios de suas ações seguintes, você vê o passado e o passado apenas, porque o mundo não fica estático, é impossível que você veja uma coisa, que não seja um presságio e se é presságio, é passado e assim, o homem só vê e só pensa guiado pelo passado.

- Curiosa essa forma de pensar, entendo o que queres dizer. No entanto há um erro, sempre que ajo, tomo uma atitude que se transforma em presságio, logo ela não era presságio imediatamente, ou seja, a natureza do presente é ação na minha cabeça.
- o rapaz respondeu, sentindo as primeiras gotas de chuva lhe tocarem os braços desnudos.

- Percebestes bem o espírito da coisa, mas permita-me aprofundar ainda mais sua visão. No que digo, acerca dos presságios, não é óbvio, os homens não entendem que por constantemente só vêem o passado, porque suas ações em sua cabeça estão no presente. Eis aí, o engodo da natureza. Há algo de curioso nessa visão, que o homem veja no passado, mas aja no presente, não acha? Isto significa, que cada ação sua pode causar um efeito imprevisível, pois são baseada em algo que já não é mais, mas que foi e por isso não atribuem embasamentos fidedigno a ação tomada. Cada ação, é um engodo.

- Entendo...

- O engodo se estende além, eu diria, da falha constante na ação do homem, mas na percepção do pensamento como algo estático. Pois é nisso em que se baseia o presente. Num momento que é e não que foi ou virá a ser, mas no que é, mas não existe tal coisa como algo estático. Se o tempo corre, como nossa percepção vê o presságio, mas age no presente? Exigiria isso, que passado e presente coexistissem, na mente do homem. A natureza seria um grande engano e cada ação realizada numa dimensão completamente diferente e por conta disso, é dúbio que sejam parte da mesma realidade.

- Está dizendo que a realidade não existe? Então, o que somos?


- A realidade existe e é, mas a realidade é, pois é a única coisa que pode ser. No entanto, porque o homem não é capaz de captá-la por completo, não é capaz de ver o que é, mas o que foi, apenas.
- ele pigarreou, uma nova tosse a caminho, mas continuou a falar - Bem, seria inconsistente da natureza, que o tempo não fosse uno, mas duplo. Isso romperia a consistência da realidade, transformaria cada momento numa realidade diferente, o que não é possível, pois a realidade segue uma linha só. Isso sabemos.

- Como solucionar então esse impasse do tempo que passa em duas dimensões diferentes? - o rapaz, indagou com a cabeça começando a latejar.

- Esse impasse não tem solução, pois a percepção do presente é falha. Como lhe disse, duas dimensões não podem existir, então para que a realidade seja verdade, isso é, para que exista como é, é necessário um único tempo apenas. Logo, o que quero dizer, é que quando você vê o homem no passado, você vê também o que na cabeça dele é o presente. Pois, ao observar, você o observa também, do ponto de vista que ele observa dentro de si mesmo e por serem da mesma dimensão os dois estão no mesmo tempo.


- Então, nós pensamos apenas no passado? Nosso pensamento é um presságio constante da ação seguinte? O que está me dizendo?


- Estou dizendo, que o presente não existe. Uma ação pula para outro, passado para o futuro, uma ligação direta. Assim que corre o tempo. Tudo que você é. Já foi. -
ele sorriu gentilmente. A chuva começava a cair - Por isso gosto tanto dos presságios, porque me lembram de que eu sou também parte deles. Bem, acredito que é hora de entrarmos, rapaz. Não quero que você fique doente, estamos a menos de um dia da costa lusitana.




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Clermont, 1465


Leonardo estava acostumado a perder. Perdera seu padrinho há dois anos. Foi o presságio inicial, o anúncio de uma nova vida e uma decorrência de tragédias que se seguiram uma após a outra e que o levara até aquele momento. Uma constante sucessão. A inevitável chegada do futuro e do prosseguimento das coisas. Ele era um produto e causa do tempo. Não era de fato, a reflexão que realmente importava para ele, naquele momento, no navio, próximo a chegada a Portugal, mas o momento que passara com seu padrinho. A conversa sobre o presságio. Será que Bartolomeu já sabia tudo que lhe aconteceria?

Lembrou-se dessa conversa, ao ver Anton ali diante dele abraçando a irmã. Fora a primeira vez que ficara feliz em ver seu primo e também a primeira vez em que via ele demonstrar sua única fraqueza. A fraqueza em comum, que os dois tinham e que o destino usaria para colocar um contra o outro. No entanto, naquele momento, Leonardo não prestou atenção ao óbvio. Não viu o presságio.

Toda aquela situação era resultado da morte do padrinho. O embate com Bacamarte, Volpone, Vieri, Hettinger e agora um novo jogador, Melendorf. Foi a morte de Bartolomeu que colocou os três Torre no caminho de Hettinger. Nuvens negras, de fato, foi o que Bartolomeu viu naquele dia. Ele sabia. Sabia de tudo.



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Raquel_


A carta que Baptiste escreveu já estava a caminho de Dijon. Enquanto isso Raquel havia providenciado uma alimentação regular para o prisioneiro, pois pensava que não adiantaria nada um idiota útil alimentado à base de pão e água como Anton queria. Ele precisava aparentar uma saúde pelo menos regular para que Melendorf não desconfiasse do engodo no qual seria vítima. Raquel tinha por certeza que não devia subestimar um inimigo como Melendorf, mas não descuidava em manter o prisioneiro no seu "devido lugar".

Em paralelo teve conhecimento da gravidade dos ferimentos de Anton. Viu que o irmão caminhava com o auxílio de uma bengala, e os movimentos eram restritos; sua agilidade foi reduzida, e Anton permitiu que sua irmã pudesse ver a enorme cicatriz que percorria seu peito, o grande hematoma causado pelo impacto de uma maça e as feridas nas mãos causadas por uma espada. Alicia tentava cuidar da cicatrização, mas soube que Anton por vezes não deixava que alguém se aproximasse.

Raquel não titubeou, e impôs ao irmão que se submetesse aos seus cuidados, para que a cicatrização não finalizasse com um aspecto grotesco. A muito contragosto, Anton cedeu. Ela exigiu que o irmão deixasse um pouco de lado a atenção com o prisioneiro, e se manteve por perto o tempo necessário. Por perto até demais e sem arrependimento, pois notara que a perturbação de Anton não havia cedido mesmo com o reencontro, e mesmo com sua presença o irmão se comportava de forma muito arredia. Seu esforço era de que seu irmão não se perdesse...

Ao mesmo tempo, Leonardo se concentrou em providenciar um artefato que podia deter Melendorf sem o combate corpo-a-corpo. Abdicou-se de estar próximo dos irmãos para terminar de construir antes do dia que Melendorf pisasse os pés em Clermont. Com a ajuda de Hugo e Charlie, Leonardo não ficou isolado durante os dias que passaram; o grupo pôde se preparar para confrontar o homem que arruinou aquela temporada de outono em Dijon.


Leonardodavinci


Leonardo ficara contente em rever os primos juntos e de saber que Hettinger não fora capaz de destruir a principal força dos Torre e apenas os reforçado em sua convicção de destruí-lo. Ele se dedicou ao ajuste dos planos que se dariam nos dias seguintes. Tinha ainda no peito o ressentimento e a raiva pelo sofrimento e pelo terrível golpe que sofreram. Acreditava que Hettinger e seu lacaio Melendorf, precisavam de uma lição, uma demonstração de suas habilidades, além da carnificina de homens comuns, o jogo também era de inteligência e exigia as armas adequadas.

Leonardo se dedicou então nos dias seguintes a produção de um artefato inovador, ao qual havia pensado e já anotado em seus cadernos em Florença durante a observação da falha de diversos projetos de canhão de outros inventores na época e de um curioso artrópode, trazido a ele por um mercador do Magrebe, chamavam-no Aranha Saltadora. Passou então aos desenhos, absorvido como era necessário estar, desenvolvendo aquela arma que só podia advir do estado de espírito perverso que se permitira adotar contra aquele inimigo. Obtivera naquele momento, a estranha iluminação que buscava e para a qual havia sido ensinado que era necessário desviar-se da torpeza para alcançar. Seria essa a primeira vez que encontraria aquele ponto prático de equilíbrio, entre o gênio e o maligno o gênio e o maligno.

Pediu a Charlie e Hugo que o ajudassem na obtenção dos materiais necessários. Pôde improvisar um cilindro de bronze, onde encheu de pólvora e selou com um tampo de madeira, contendo buracos para permitir a entrada de ar. Sobre este primeiro invólucro, depositou um segundo ligeiramente menor, com a base de bronze conectada ao debaixo por um pequeno cilindro preso no invólucro de cima. O restante do invólucro superior era formado por madeira muito fina e continha uma quantidade intermediária de pólvora, presa dentro de um saco de tecido e que só podia ser acessado pelo cilindro que ligava as duas partes. Dentro do segundo invólucro, foram depositadas as balas usadas nos arcabuzes.

A macabra criação de Leonardo estava pronta. Chamou-a gentilmente de Ma Petite Ange. Bastava agora, que funcionasse adequadamente. Todos contavam com isso.

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Melendorf


Melendorf estava saboreando seu jantar em seu escritório mesmo havia muito trabalho para ser feito e ele esperava economizar tempo assim, mas sua apetitosa refeição terminaria com uma noticia amarga.

- Herr Hutten!-O perfeito silêncio da sala foi quebrado pela chegada de um soldado.

- Fale Franz.

- Herr Bessete está aqui.

- Mas o que esse dresgra...Ah... Mande o entrar.- Melendorf conhecia Bastien Bessete, conhecia e não gostava. Ele empurrou o prato para um lado, su fome tinha acabado. Já sua taça de vinho teve o resto do seu conteúdo tomado enquanto Bessete entrava.

Melendorf sinalizou com a mão para o soldado se retirar enquanto terminava de beber. Quando Bessete entrou no seu escritório, Melendorf fez seu melhor para fingir uma cara simpática.

- Bastien! É sempre um prazer vê-lo mas eu esperava o Durer. Onde está ele?

- O Durer morreu.-Bastien respondeu sem esboçar qualquer tipo de emoção.

- Ah...Eu gostava do Durer, ele era comprometido com a causa. Foi a Fidem?

- Acredito que sim. Em todo caso, agora eu estou aqui para arrumar sua bagunça...

Uma conversa subentendida e com muitas farpas se seguiu, Melendorf sabia que iria odiar trabalhar com Bessete mas se era isso que a causa requeria, era isso que ele faria.

Havia outra coisa a se pensar no momento: os ataques sofridos estavam espantando os associados, mesmo Drexler tinha sido uma baixa. Normalmente, Melendorf não iria se expôr a ir pessoalmente mas a carta de Baptise era tudo que ele tinha. Era um tiro no escuro, mas era um tiro.

Dois homens chegaram até o local combinado, uma taverna bastante movimentada. Haviam muitas testemunhas e seria um local inapropriado para uma armadilha, mas Melendorf seguia desconfiado.

Os dois homens fizeram o que havia sido combinado com Baptiste: eles se dirigiram até o taverneiro, e um dos homens se identificou como Hans Hutten.

O taverneiro acompanhou eles até uma mesa perto da parede em que apenas um homem estava sentado e ele era Baptiste Bertillon.

Os dois homens sentaram nas cadeiras, sem imaginar que a Ma Petite Ange estava embaixo da mesa. Seria a primeira vez que ela entraria em ação.

Uma conversa começou, Hans Hutten questionava Baptiste e ele tentava desviar do assunto. Claramente nervoso.

Bertillon disse que tinha um registro com tudo que Hutten precisva saber. Ele pegou um a folha da papel dobrada, pôs sobre a mesa e a empurrou para Hans. Este era apenas um sinal.

Quando o taverneiro viu Baptiste passar a carta, ele pegou uma caneca de metal e bateu nela várias vezes com uma colher.

- Nós estamos fechando! Voltem amanhã, a taverna foi reservada.

Logo, a cheia taverna ficou vazia. Hans Hutten se preparou para se levantar mas Bertillon o impediu:

- Fui eu que reservei a taverna.

- Com que propósito?-Hans Hutten estava desconfiado, ele sentia que algo muito errado estava acontecendo.

- Leia a carta.

Relutante, Hans Hutten desdobrou a folha. E leu em voz alta o que estava escrito.

- Espero que aprecie a surpresa que fiz para você. Um forte abraço, Anton Torre.

Enquanto tentava acreditar no que lia Hutten não ouviu um pequeno barulho feito por Baptiste acionando o dispositivo embaixo da mesa. Mas ele ouviu o que veio depois. Uma forte explosão. Como se estivesse ao lado de um forte trovão. Em uma verdadeira obra de arte da morte, corpos foram jogados longe, perfurados por balas e em partes desmembrados.

Baptiste e o outro homem morreram na hora. Hutten, talvez por sorte, talvez por azar, sobreviveu. Ele havia perdido as pernas na explosão e estava caído no chão. Ele não conseguia acreditar no que estava acontecendo.

O taverneiro apareceu com um machado de cortar lenha na mão, ele olhou Hutten nos olhos e em seguida desferiu um golpe no seu pescoço. Ele precisava pegar a sua cabeça.



Anton Torre, aguardava no esconderijo. Ele estava ansioso por noticias, quando Clemente chegou trazendo um saco e seu machado ele acreditou que receberia seu troféu.

- Me dê isso!-Anton pegou o saco que Clemente carregava. Ele precisava ver.

Ao retirar uma cabeça de dentro do saco a decepção tomou conta de Anton e depois dela, a raiva.

Torre jogou a cabeça na parede em um momento de fúria.

- Este não é ele!!-Anton estava furioso.- Tanto esforço! Tanto planejamento! E este não é ele!

Alicia, Hugo, Charlie, Leonardo e Raquel, estavam todos ali. Anton sentia que todos eles contemplavam seu fracasso. Alícia, a única além de Anton que já tinha visto Melendorf, pegou a cabeça de onde Anton tinha jogado. Ela olhou pro alguns segundos, buscando acreditar que o que via era algum tipo de ilusão. Mas não era. Aquela cabeça não pertencia a Melendorf. Mais uma vez, Anton havia sido enganado.
Raquel_


Raquel reagiu exasperada e gesticulando na frente de todos que estavam perplexos com o que acabara de acontecer.

- Muito bem, Anton! Todos os preparativos foram em vão. O que sugeres agora? Eu sugiro continuarmos fugindo, pois não temos aparato e nem condições financeiras de aguentar uma retaliação do indivíduo que deseja nossa morte!

Raquel cruza os braços, encarando o irmão.
Sir_anton


O espírito de Anton estava destruído. Ele simplesmente, não sabia o que fazer dessa vez. Em sua mente passavam milhões de idéias e suposições "E se eu...? Não! Isso não iria funcionar...E se...Não! Também não! Maldição! Mas e se...Não! Não daria de jeito nenhum"

O olhar de Raquel era o pior provavelmente. Ela olhava Anton como se tentasse ler seus pensamentos, estava claro que ela esperava por uma resposta, mas Anton não há tinha. Após alguns segundos Anton respondeu secamente - Se prepare para partir.- sem coragem para dizer mais nada ele deu às costas a todos. Ele queria ficar sozinho.

O desejo de Anton não seria atendido, logo quando ele entrou na sala ao lado sentou em uma cadeira atrás de uma mesa. Se reclinou para trás e levou as duas mãos à cabeça, respirou profundamente e contemplou aquele momento acompanhado apenas pelo silêncio. Mas aquilo não durou muito. Alícia entrou na sala, sem nem mesmo olhar para Anton ela se dirigiu até a janela. Ela observou a cidade. No que ela estava pensando?

- Você acredita em carma?

Aquela era uma pergunta estranha, especialmente vindo de Alícia, ela sempre fora cética quanto a crendices. De toda forma, ela aceitou o silêncio de Anton como respota o suficiente.

- Você acha que estamos sendo punidos pelo que fizemos?

- O que fizemos?- Desta vez Anton respondeu, mas respondeu em questionamento de uma forma séria e fechada.

- Três anos atrás... Aquela noite.Você acha que...

- Pare!-Anton falou mas não era uma ordem, também não era um pedido. Ele só queria a interromper- Este assunto está morto. Lembra?

- Sim... Você está certo...-Alícia disse relutantemente - Mas você não pensa naquilo? Pensando agora...Foi errado.

- Nós fizemos o que devia ser feito.

- Eu sei... Foi só... Está tudo bem! Foi só... Foi só uma lembrança que veio à tona. Acho que essa situação toda me fez pensar...-Alícia parou de olhar pela janela e se virou para Anton mudando para um tom de normalidade quase na mesma hora - Você se lembra dos velhos tempos?

Anton sabia de que época Alícia estava falando, ele quase abriu um sorriso lembrando.

- As coisas eram mais simples.

- Sem soldados, sem cidades prestes a ser destruídas, sem incêndios.

- Incêndios, explosões, soldados de armadura com arcabuzes. Você consegue imaginar isso naquela época? Era tudo diferente. Era tudo mais silencioso.

- Uma faca nas costas de um nobre soberbo em uma rua escura, sem testemunhas, sem explosões.

- Pegar a bolsa dele e beber a noite toda por sua conta.

- Ele não iria mais usar mesmo.

- Três taças de vinho para começar.

- Duas para nós.

- E uma para o morto!-Os dois falaram juntos antes de começarem a rir.

- Lembra quando roubamos a carruagem do Duque com o Duque dentro dela?

- O melhor dia de todos.

- Ele chegou a chorar achando que íamos mata-lo.

- E então nós o embebedamos e o deixamos na rua na frente do Castelo.

- Foi um escândalo!

- É... Nós sabíamos nos divertir.

- Uma pena que nossos irmãos nunca tenham partilhado do nosso estilo de vida.-Em um segundo o tom brincalhão de Alícia mudaria de forma para se queixar do irmão - Hugo sempre tão covarde! Com medo de fazer o que fazíamos. Aposto que morria de vontade de ser como nós por trás de suas intermináveis lições de moral: "Isso é errado Alícia!", "Vocês não deveriam ter feito isto!", "Talvez devêssemos fazer as coisas legalmente!", "Alícia! Não o solte!"-Alícia imitava a voz do irmão de forma debochada enquanto citava falas do mesmo no passado.- Aquele fraco!

- Hugo não é fraco Alícia!-O sorriso de Anton havia sumido de seu rosto - Ele apenas não gosta de violência.

- E qual é diferença?-Alícia não esperou a resposta - Hugo, meu pai, Richard, Patrice. Todos eles, homens fracos! E ousavam achar que podiam me dar ordens!-Alícia já não olhava para Anton, de fato já não falava com ele, ela estava falando sozinha - Hunf! Homens fracos... Não gostaram nem um pouco quando eu lhes mostrei o que uma mulher forte podia fazer, não é?- Um tom sombrio tomou conta do seu rosto.

- Alícia...-Anton falou fracamente na tentativa de descobrir se ela já tinha voltado ao mundo real.

- Oh, je suis desolé.- Ela tentou disfarçar a situação com um sorriso falso.

- Vocês virão conosco?- Anton mudava totalmente o foco da conversa, e era realmente este seu objetivo.

- Sim, nós vamos.- Alícia deu de ombros - Ficar aqui agora é o mesmo que cometer suicídio em grande estilo.

- Planejando assassinatos?- Era Charlie Hagfish que entrava pela porta e na conversa ao mesmo tempo.

- Charlie! Aconteceu algo?

- Não, tudo em ordem. Bem, não exatamente mas vocês entenderam.

- Falávamos dos velhos tempos. Junte-se a nós!-O humor de Anton estava simplesmente o contrário de quando entrou na sala inconsolável.

- É, junte-se a nós sua velha raposa! Vamos falar sobre quando você fazia parte do clubinho dos nossos pais.

- "Clubinho"?-Charlie estava simplesmente ultrajado, mas ela já havia se habituado a falta de respeito de Alícia por praticamente tudo. Ainda assim, ele não seria Charlie Hagfish se não a corrigi-se - O nosso "clubinho" era um grupo de pensadores, escritores, pintores, pessoas com idéias que não idolatravam ao falso deus adorado por toda a europa.

- Um brinde aos Hereges!- Alícia segurava uma taça imaginária.

- "Hereges".- Falou Anton em algo entre o pensativo e o depreciativo- Nunca entendi porque perder tanto tempo falando de religião, deuses, reformas. Quanta besteira...

- A falta de respeito de vocês dois pelos nossos ideais nunca foi nenhum segredo Lord Anton.-Observou Charlie duramente, mas abriu um sorriso simpático após a frase. Ele conseguia ser cordial em qualquer situação, Anton admirava isso nele.

- Ouro, vinho, uma lâmina afiada perfurando o pulmão do seu rival. Estes são os deuses, Charlie.

- Sempre inspiradora Lady Bertrand.- O sorriso se mantinha, tão cordial e amigável quanto possível. Aquilo só podia ser um dom.

- Bom, por mais que eu adore a companhia do meu inglês favorito.-O sarcasmos chegava a pingar das palavras de Alícia - Tenho de ir fazer alguma coisa em algum lugar. Até depois.-Alícia saiu com um sorriso, não como o de Charlie, um sorriso falso e nada cordial. Ele não tinha o dom do velho.

Charlie e Anton trocaram olhares, eles se entendiam as vezes mesmo sem palavras, é o tipo de coisa que anos de convivência fazem com as pessoas.

Charlie caminhou em direção a mesa e a cada passo seu rosto amigável migrava para uma expressão séria.

- Charlie, Charlie, Charlie...- Disse Anton o olhando. Ele conhecia Charlie, conhecia bem, e Charlie não perdia sua expressão amigável que te fazia pensar que estava tudo bem independente de o quão mal tudo estivesse a não ser que algo muito terrível estivesse em sua mente.

- Quando nós colocamos a caixa com a carta de Bartolomeu na sala de armas de Lord Artur, para que Leonardo convenientemente a encontra-se e deseja-se ir atrás de Simão Bacamarte, você só por um momento, chegou a imaginar que as coisas chegariam a esta proporção?

Anton parou um momento para pensar. Ele não sabia muito bem o que pensar sobre aquela pergunta. É claro que ele nunca imaginaria que as coisas chegariam aquele nível, mas isso realmente importava agora? Até que ponto o que Anton achava antes importavam agora? Na opinião de Torre, era totalmente irrelevante.

- O que está feito está feito, Charlie.-Concluiu Anton.

Charlie apenas assentiu com a cabeça, não havia muito o que debater sobre aquilo.

- O que fazemos agora?

Novamente, o silêncio foi a primeira resposta. Aquela situação era nova para Anton, ele sempre tinha encontrado uma maneira antes, mas agora ele não via nenhuma solução. Ele estava perdido e cercado por lobos.

- Vamos seguir a sugestão da minha irmã. Vamos embora desse país amaldiçoado, nós perdemos. Odeio ter que dizer isto, mas nós perdemos. É a realidade, sem desculpas, sem explicações, sem tentar encontrar um motivo. Nós perdemos. Eles são melhores do que nós. Melendorf, se este for mesmo seu nome, é melhor do que eu.

Charlie olhou para Anton. Ele conhecia Torre desde que era um garoto, e por mais que ele já tivesse demonstrado várias vezes que era agora um homem, com seu olhar de especialista, Charlie ainda conseguia ler Anton. Ele sabia qual era o problema, o orgulho de Torre estava despedaçado. Ele já havia provado a amarga derrota antes, mas sempre havia conseguido devolver o golpe. Dessa vez, isto não parecia ser possível.

- Vamos para Portugal. E lá, no nosso terreno, vamos análisar o que temos e vamos pesquisar sobre Melendorf e Hettinger, vamos descobrir tudo sobre eles, vamos descobrir que hora eles acordam e o que gostam de comer. Vamos descobrir como a mente deles funciona. Deixe eles pensarem que venceram e quando eles nem sonharem nós vamos cortar suas gargantas enquanto dormem. Você não lembra o que eu te ensinei? Se vence com o cerébro, não com o coração.


Todos estavam reunidos. Leonardo, Raquel, Clemente, Hugo, Alícia e Charlie, estavam todos lá parados na outra sala, ouvindo a bengala de Anton se firmar contra o chão.
Com grande dificuldade, Torre entrou pela porta, sério, de rosto fechado, com um olhar que deixaria qualquer padre acreditando que havia encontrado um possesso. Ele olhou todos, olhou em seus olhos, um por um e então disse duramente.

- Nós vamos para casa.

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Raquel_




- O que foi maman?
- Sente-se ao meu lado.
- Fiz algo errado?
- De forma alguma, meu amor.
- Por que me chamou aqui? Precisa descansar.
- Eu só descansarei depois que eu tiver falado tudo que puder para você.
- Você não pode morrer e me deixar aqui, maman...
- Você não estará sozinha, mas quero que guarde sempre contigo o que vou dizer.
- Você vai embora, e eu vou ficar sozinha.
- É por isso mesmo. Não penses assim. Não vou estar aqui para te proteger de qualquer pessoa ruim que surgir na sua vida. Existem muitas pessoas ruins, e você precisa aprender que essas pessoas...vão querer te machucar.
- Por que, maman?
- Nem sempre sabemos, mas é importante que você preste atenção na estupidez da maldade, e não permita que nenhuma pessoa tire proveito, e destrua o que você é.
- Não deixarei maman. Mas eu quero você comigo!
- Seja verdadeira com você mesma Raquel e os estúpidos não cultivarão a proliferação da maldade. E prometa mais uma coisa: respeito aos 7 pilares.
- Se você quer, eu prometo...
- Você tem que prometer de coração.
- Prometo só por você, maman. Você tem meu coração. Deixa eu ficar aqui contigo?

O grupo viajou sem parar divididos em coches até alcançarem a região da Aquitânia, a terra fértil litorânea para o surgimento anterior dos plantagenetas: Bordeaux. O silêncio gritante de Anton durante a viagem, fingindo contemplar da janela os pequenos vinhedos além da poeira que levantava com a passagem dos veículos. Raquel estava encostada em um dos ombros de Leonardo, mas não deixou de observar a grande distância que Anton se encontrava. Ele não estava ali.

Raquel ao mesmo tempo queria ir embora, ora queria ficar e vingar sua tragédia pessoal. Não se encontrava em condições de pensar organizadamente, sentia-se em pedaços e impulsiva. Recordara durante o trajeto as palavras de sua mãe, que sempre serviram como direcionamento. Só que desta vez Raquel conheceu mais de perto a maldade que sua mãe tanto isistiu, e enxergou em si mesma o que não poderia permitir: sentimentos contraditórios que enfraqueciam a retidão do pensamento.

Intimamente pediu desculpas à mãe com um pesar muito sentido, pois o golpe sofrido fora demasiado cruel para não conjugar e vestir-se da mesma armadura para repelir uma ameaça. Tuny soube ensinar o equilíbrio no agir de uma mulher, mas Artur passou demasiado tempo a orientar sobre o uso dos maiores dons físicos e da energia que impelem para a frente. Raquel viu que regredia a um dos seus maiores conflitos.

Bordeaux era formidável e prazerosa em ser admirada. O dia estava bastante frio, mas os raios de sol não foram preteridos de contribuirem com o brilho que debruçava sobre o seu rio. Ao percorrerem as ruas da cidade, os viajantes saíram do torpor que os mantinham acordados. O grande porto de Bordeaux era o destino, pois precisavam agilizar a saída na primeira embarcação que partisse.
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