Leonardodavinci
A estalagem condal servia de abrigo para o jovem toscano durante aquela sua viagem a cidade do Porto. O quarto onde estava não era dos mais simples oferecidos pelo mui antigo prédio que servia a necessidade dos viajantes. Ele aceitara pagar mais caro pelo conforto e o privilégio de obter uma escrivaninha e conservar certa privacidade. Era fato que o ouro já podia permitir a um homem comum, obter determinadas vantagens, que outrora lhe eram bloqueadas apenas pela sua origem.
Tomara seu desjejum, tendo acordado mais cedo do que a maioria dos demais hóspedes, como era de seu feitio, odiava o sono e prendia-se a ele por mera obrigação física. Tinha o instinto naturalmente solitário que só as madrugadas poderiam lhe fornecer. Retornara ao seu quarto, a mente já mais desperta pela refeição, despiu a parte superior do corpo, lançando a camisa de algodão sobre a cama de forma desleixada.
Tinha uma compleição sólida, fortalecida pelos treinos físicos que tantas vezes salvaram sua vida. A sua pele, no entanto, tinha marcas e cicatrizes que criavam os mais grosseiros desenhos sobre a derme. Não eram cicatrizes de guerra e combates, como gostaria de ostentar, mas eram resultado dos anos de criminalidade e principalmente, de diferentes formas de tortura que sofrera. As marcas maiores, enfim, não estavam na derme, mas na mente, ocultas e suprimidas pelo invólucro racional que Bartolomeu começara a construir para ele e concluído por Inês Castro Torre. O rapaz preferiu abrir a janela, deixando uma leve brisa gélida, incômoda, varrer o quarto e optou por cobrir o corpo com um mantô de peliça.
Debruçado sobre a escrivaninha, iluminada pelos raios iniciais da manhã, colocou-se a escrever cartas para enviar para seus contatos espalhados pela cidade. Já fazia alguns dias que havia chegado a cidade invicta, mas pouco realizara além de divertir-se nas tavernas. Era hora de cumprir a finalidade pela qual havia acompanhado seus primos até ali.
Após uma hora focado na redação das cartas, ligeiramente entediado, baixou a pena e colocou-se a revisar o que havia escrito. As palavras em uma carta, precisam ser medidas com duplo cuidado, pois um vez desenhadas, ficam estáticas e a clareza nem sempre é desejável.
Ouviu sons atrás da porta de seu quarto, a mão manchada de tinta deslizou dos papéis até a adaga que descansava ao lado. Escutou o som da chave girando na fechadura e a porta abrir-se.
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