Leonardo retornou a sua escrivaninha e enquanto esperava sua prima se preparar, selou as cartas pendentes e guardou-as numa bolsa para remeter mais tarde. Vestiu-se, desta vez em totalidade e aguardou, limpando a lâmina de sua adaga cinzelada com um retalho. Temia que os ares portuenses causassem algum tipo de ferrugem na lâmina e para garantir, pingava algumas gotas de óleo no retalho e espalhava o líquido pelo metal, protegendo-o de forma mais eficaz. Distraía sua mente desta forma.
Não demorou e algumas batidas tímidas na porta assinalaram que Raquel já estava pronta. Ela o olhava desconfiada, mas ele apenas a cumprimentou, contendo uma certa ansiedade que sentia e prendeu a adaga na cintura. Ela o acompanhou enquanto se dirigiam para fora da estalagem e os dois permaneceram em silêncio, como se tivessem assuntos tão sérios a debater, que qualquer outro assunto se tornava banal e não valia a dispersão da mente.
Trocou algumas palavras com um dos cavalariços de uma estrebaria ao lado da estalagem, obtendo algumas informações úteis sobre as ruas que poderiam seguir. Guiou Raquel pelas ruas do Porto, em direção ao Cais da Ribeira e - aos poucos - pôde quebrar o silêncio.
Sorria para ela, despreocupado, desejava que ela entendesse que estava tudo bem, mas sabia ao fundo que talvez as coisas não fossem assim tão simples. Aquele estranho peso que sentia, ao comentar vagamente suas impressões da cidade apinhada de pessoas, o deixava incomodado. Entre os sorrisos e os olhares, tentava decifrar o que ela pensava e temia, que ela fosse mais prudente que ele, que o quisesse distanciar definitivamente.
Desenvolvera, ao longo dos anos, uma determinada habilidade no manejo social e em observar algumas intenções veladas naqueles com quem conversava. Assumia uma postura defensiva e através de observação, estudava, entendia e preparava um contra-ataque. Todavia, aquilo não funcionava com Raquel, ela o desarmava.
Nos meandros da parte mais baixa da cidade, era onde a agitação da cidade aflorava ao máximo, e os muitos mercadores, viajantes e camponeses que trafegavam por ali, fazendo comércio ou esperando sua vez para entrar nas barcas que cruzavam o Douro. Os dois jovens passaram pelo cais, observando o intenso movimento, as diversas barcas e navios e a mui característica distinção entre as pessoas naquele espaço. O porto era gigantesco, ao que se aproximava, em determinados aspectos, aos portos das Republicas italianas, em especial o de Pisa, que a semelhança do Porto e do Douro, se estabelecia por sua vez no Arno. Justamente pela experiência, Leonardo mantinha sua prima perto de si, e as mãos sempre prontas a sacar a adaga e agarrar o alforje.
Após passar pelos cais da Ribeira e da Estiva, e tendo passado pelos pontos mais intensos do comércio na cidade, aos poucos o fluxo de pessoas diminuía e puderam focar mais em apreciar o belíssimo rio que banhava a cidade e na companhia um do outro.
Caminhando a ribeira do Douro, Leonardo por poucos momentos esquecera o real motivo daquele passeio, a visão singela de Raquel e dos grandes morros que se estendiam além da outra margem, lhe faziam esquecer toda movimentação cosmopolita e focar-se apenas no encanto que lhe causava aquela beleza harmoniosa e a infinidade de conceitos a quais sua mente viajava na contemplação. Desejava capturar aquele momento.
Sua contemplação foi interrompida, novamente, quase de súbito, pelo sentimento de urgência de tratar daqueles assuntos não resolvidos. Ele ficou em silêncio por alguns momentos, preparando o que poderia dizer, mas foi Raquel que iniciou o assunto.