Leonardo e Raquel brindaram e permaneceram na taverna por um bom tempo ainda, conversando e rindo, embalados pelo ambiente acolhedor e caloroso. O rapaz buscou continência para não exagerar na bebida, não queria constranger sua prima fazendo alguma cena bêbado.
As horas avançaram e sob o efeito do álcool, mesmo que levemente, a taverna se tornou barulhenta e agitada demais. Leonardo reparou que Raquel não devia ter saído muito nos últimos tempos, embora ela aparentasse estar se divertindo, ele reparou em alguns momentos que ela tentou esconder discretamente um bocejo com as mãos.
- Vamos pra casa, prima. Acho que já nos divertimos bastante por hoje - disse o rapaz sorrindo.
Uma vez na casa, Raquel logo se sentou em uma das cadeiras, ainda assim disfarçando o cansaço. Embora já estivessem em casa, Leonardo relutava em deixar aquele dia tão prazeroso acabar. Se propôs, então, a fazer a declamação de alguns poemas de Boccaccio, um poeta florentino, recente aquisição que ele fizera em Florença.
Apesar de seu engajamento em tornar a leitura o mais vívida possível, ele percebeu quando sua prima foi se deixando levar pelo sono, apoiando a cabeça nas mãos e suas pálpebras se fechando lentamente. O rapaz então, relutante, entendeu que aquele dia já havia se estendido demais. Ele encerrou um último poema e deixou o livro sobre a cadeira, partindo para a cozinha para preparar um chá.
Enquanto a água esquentava, ele passava o dia em revista, alegre pelos bons momentos que estava passando ali. Ficou se perguntando, como pode ter pensado um dia em abandonar tudo aquilo e querer condenar a si mesmo a vida de miséria que outros haviam planejado para ele. Sua mente rapidamente divagou por lugares obscuros e ele teve que se trazer de volta ao momento.
Assim que a água esquentou o suficiente, ele apagou as chamas e depositou algumas ervas na água. Uma vez que a infusão foi concluída, ele levou seu humilde chá de volta a sala de estar, apenas para encontrar sua prima já dormindo, mesmo que desconfortável, na cadeira em que estava.
Leonardo logo deixou a xícara de lado e não querendo acordar Raquel, ele a tomou em seus braços e a levou para o quarto dela. Deixou-a sobre a cama, decidindo que seria muito razoável não mexer em suas roupas. Permitiu-se a indiscrição de contemplá-la, os cabelos dela se distribuíam sobre os travesseiros de maneira jovial, direcionando a visão para seu belo rosto, que prendia os olhos do rapaz.
Ele fitou os lábios dela, entreabertos, quase como em um convite. Pensou em beijá-los, talvez se ele fosse sútil o suficiente, ela não acordaria, se acordasse, talvez retribuísse, talvez fosse o que ela desejava desde sempre, ou talvez o matasse com alguma adaga oculta sob um travesseiro. Leonardo espantou esses pensamentos, balançando a cabeça efusivamente como se os pudesse afastá-los de fato com os movimentos.
O rapaz se limitou a cobri-la com um fino cobertor e se retirar do quarto, antes que cometesse algum ato estúpido. Antes de sair, porém, arriscou olhá-la mais uma vez. O convite permanecia nos lábios dela, mas Leonardo sabia que não podia. De fato, não podia.